Vejo, em vídeo, a cena constrangedora que traduz nossos dias cinzentos: um deputado federal agride seu colega de parlamento, dentro do Congresso. O agressor seria de Londrina enquanto o agredido é deputado federal por São Paulo – Paulo Teixeira...

Não tenho vínculo algum com Paulo Teixeira, apesar de minha reconhecida relação passional com seu Partido. Tampouco conheço o agressor. Mas sou londrinense e, principalmente, estou londrinense nessa hora tão maltratada pela civilização, onde a ausência de razão parece ter fincado raiz...

O vídeo metaforiza nossa atual conjuntura existencial: ainda que reclame observação, seu aproveitamento concreto é nenhum – e isso favorece quem não tem nada a dizer...

O parlamento se resolvendo no braço seria o equivalente a uma das quatro bestas do apocalipse cavalgando a própria decadência, naquilo que rede social atrofiada e parlamentar irracional compõe a conjuntura de desconstrução social que o fundamentalismo apregoa.

Outro dia, enquanto Paulo Gustavo lutava pela vida, entubado em um dos muitos leitos que a pandemia normalizou por aqui, um pastor disse que o queria morto por ser homossexual. Na esteira do comentário ignorável, uma jogadora de futebol do Guarani da capital dos bandeirantes se manifestou dizendo que o fabuloso comediante estaria no inferno – também por sua orientação sexual...

Isso me fez pensar: não há gays no paraíso? Seria triste um lugar igual em tudo. Os habitantes vestiriam rosa (as meninas) e azul (os que não são meninas). Penso que Paulo Gustavo, que tanta felicidade trouxe em vida para quem o assistiu enquanto grande ator de sua época, anda nu pelo paraíso – para não ‘desagradar’ os conservadores de plantão em sua cruzada para além do amai-vos uns aos outros...

No plano terrestre (redondo) há quem encontre Jesus em goiabeiras enquanto alguns convivam com unicórnios, ao passo em que há os que seguem catatônicos, adorando o próprio reflexo – estes últimos estão represados em redes sociais...

Outro dia, na conta de um artigo meu que esta Folha gentilmente publicara, uma certa grita (tola e irracional) se levantou na rede, capitaneada por um colega de universidade que me ofendeu. Aderiu ao ataque um outro colega de UEL (do meu passado, portanto) e lhes comprou a fala um grupo de desapegados da cidadania. A meu favor falou o amigo querido Eduardo Ferreira...

Tanto na grita da rede social quanto na agressão tirada no Congresso Nacional, o que verbera para história é a adoção do contraponto argumentativo centrado na pessoa e não no argumento...

O argumento ‘ad hominem’ reverbera a falácia cidadã a que os despossuídos de compreensão cognitiva foram conduzidos por pregadores rasos e estereotipados, pródigos em dar lume ao lugar comum da observação maniqueísta ao tempo em que seguem ganhando muito dinheiro...

O fundamentalismo, por arraigar-se em valores religiosos, vende seu peixe ao oceano. Assim, o ataque à pessoa do argumentador obnubila o argumento em si, desconstruindo o arco-íris de possibilidades que a vida oferta na segurança de meninas de rosa e meninos de azul...

Sua estratégia é rasa, já que o argumento contraposto é tangenciado e sua crítica dissipada no esforço empreendido na dissipação – e o gado segue na toada de seus mitos...

É dizer: ante a incapacidade de esgrimir a tese, o debatedor de ocasião, por pequeno que se fez ante a vida e seus meandros, perdido e sem qualquer conhecimento da questão que acredita ter o dever de defender, critica o articulista do entendimento a ser contraposto...

Foi o que a Igreja Católica fez com Galileu. É o que os neopentecostais querem fazer com a vida e os despossuídos, alimentando a falsa conjuntura de que a falta de conhecimento implica em valor descolado da agressão argumentativa, abastecendo a imensa lixeira civilizatória do mundo...

Penso para onde vai todo o lixo civilizatório que produzimos. Para o patrimônio cultural dos que contrapõe os próprios mitos ao ideário racional que consolidou os avanços civilizatórios, estabelecendo uma falsa dialética (posto que irracional) em oposição ao ideário iluminista.

E nós? O que fazemos quando as luzes se apagam? Abandonamos o arco-íris e aceitamos a canga azul e rosa da segurança fundamentalista? Jamais...

Resistir é indispensável. E a arma dos que resistem segue sendo o conhecimento. Ler é mais do que saber. Ler é resistir à canga fundamentalista e acreditar que Paulo Gustavo, por sua bondade e não por sua orientação, já está nos braços do Pai.

Todo esforço argumentativo contrário não é senão uma tentativa covarde de diminuir a história do homem no delírio febril dos fundamentalistas – para quem a vida sempre estará duas pingas atrasada...

Saudade pai, você sempre soube que amar era nossa única missão.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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