Apesar de você, amanhã há de ser, outro dia! Assim Chico Buarque (nosso grande poeta) cantou e expôs a ditadura militar que assolou o país de 1965 a 1984 e, de fato, os generais não impediram o amanhã ser outro dia.

Lembro, como fosse ontem: as pessoas seguiam desaparecendo e o dia teimava em (re)nascer – ainda que sem respostas e tingido pelo sangue covardemente derrubado pelos ‘desaparecidos’.

Ao inventar o pecado (desconhecendo as balizas da lei) esquecendo-se (tanto quanto) de inventar o perdão, o general (médici) implicitamente apontado pelo nosso grande poeta (Chico Buarque) revelava-se escravo de sua natureza golpista, que lhe dava um hipotético relevo na sobreposição de seus valores aos dos demais brasileiros...

Nossa ditadura caiu, mas não pode ser esquecida, negada, relativizada, diminuída – ainda que negar pareça a ordem do dia do Brasil de nossos dias...

Deveras, o sangue, a dor e as vidas que tombaram não podem ser minimizados, sob pena de terem manchado a nossa vergonha em vão. A imprensa colaboracionista (que em passado muito recente assim o reconheceu e já pediu perdão ao país) não pode seguir noticiando ao sabor do interesse do dono da prensa ou da própria subserviência covarde...

Hoje, o dia renasceu mais colorido. O Supremo Tribunal Federal disse, por três votos a dois, parcial a conduta do então juiz Moro na persecução político ideológica que promoveu em desfavor de Lula, pela letra do direito penal, sob os holofotes capitaneados na imprensa colaboracionista em prol da operação lava jato...

Não há, entretanto, muito a comemorar. O só fato de termos chegado onde chegamos (STF) para verberar a mais evidente das parcialidades, apenas demonstra o equívoco que estamos a trilhar.

Tenho sido crítico contumaz da lava jato por mais de um motivo em geral e, por um em especial: o conluio ilícito, de matriz político ideológica, estabelecido entre os procuradores e o então juiz que presidia os trabalhos do consórcio curitibano...

Sei que muita gente torce o nariz e pensa que se está a acobertar corruptos – esse discurso, aliás, é recorrente sempre que o dia nasce apesar de você, na medida em que suas consequências e alcance potencializam paixões e insuflam a imaginação, principalmente daqueles que não são afeitos à dogmática jurídica...

E é esse o ponto. O dogma penal está absolutamente imbricado e é ínsito ao conceito de devido processo, que limita os atores (juiz, advogado, promotor, parte) e que não existe sem a busca racional da dicção do direito, em sorte tal que se impõe ao estado juiz uma grandeza quase sobre humana, perfazendo a advertência secular do Imperador Romano: À mulher de César não basta ser honesta, há que parecer honesta!

Havemos que olhar, sim, para o amanhã, mas não podemos fazê-lo sem que o ontem (yesterday) esteja em nosso retrovisor, a lançar sinais veementes de nossa circunstância histórica e suas hipóteses de projeção.

Somos nada se não formos ao menos uma tentativa honesta de justiça. Ocorre que, ao tentar ser justo, o homem pode se perder nas próprias paixões – o que não desnaturaria nossa natureza...

Olhar nosso adversário enquanto inimigo já é lamentável, aquiescer em desfavor deste quando o estado lhe assalta em nome do direito, é o maior dos nossos pecados.

Não basta o negacionismo que nos trouxe à realidade de mais de trezentas mil mortes pela condução política da pandemia? Não basta o terraplanismo que envergonha as tais fotos que Gagarin fez da Terra?

O que bastará? Seguiremos a perseguir minorias e minimizar a dor alheia? Continuarmos na covardia de perfilarmos ao lado das maiorias?

Da mesma forma que não há caminho além da política para dirimir conflitos de ideias, não há caminho para garantir a democracia que não o estado de direito!

Ninguém tem a palavra do estado, pelo direito, nas mãos.

Ao personificar o vingador de nossa história, Moro se perdeu nas próprias limitações e na medida de sua pequenez moral, perfilando o pior de nossa condição atual: cínico, covarde e negacionista. Cínico ao vender a imagem das virtudes que corrompeu; covarde ao perseguir a minoria da ocasião (Lula); negacionista ao fazê-lo negando o devido processo...

Se Francisco falou, está falado, mas não custa lembrar: Onde vai se esconder da enorme euforia?

Onde se esconde Moro? Em Washington D.C.

Saudade Pai.

Obrigado ao dia de ontem, pelo dia de hoje!

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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