Após a separação é comum que um dos ex-cônjuges resida ou fique responsável pela administração de imóveis que eram do casal. É importante estar atento para o fato de que isto poderá gerar a posse que embasa a usucapião do bem.

A usucapião é a maneira de adquirir a propriedade de bens, móveis ou imóveis, a partir da posse, o que significa usar ou o fruir um bem como se proprietário fosse por um determinado lapso temporal e sem a oposição do real proprietário (ou coproprietário). Em regra, “Mediante a usucapião, adquire-se a propriedade de um bem imóvel pelo uso continuado, com caráter de posse.”[2] O lapso temporal previsto em lei é variável a depender do tipo de usucapião em discussão, sendo o maior deles de 15 (quinze) anos.

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Quando ex-cônjuges ou ex-companheiros tornam-se coproprietários de um bem, se apenas um deles exercer a posse sobre este poderá requerer a usucapião em face daquele que não a exerça.

É importante destacar que uma das possíveis defesas para afastar a usucapião é a mera tolerância, que se configura, por exemplo, quando o casal acorda que um dos cônjuges resida com os filhos em um imóvel. Neste caso, não haverá posse, o que impede o pedido de usucapião.

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Outra defesa que era muito utilizada, mas que recentemente o STJ afastou e permitiu o pedido de usucapião, tratava-se da alegação de continuidade da mancomunhão entre o casal.

A mancomunhão é a administração e propriedade comum dos bens móveis e imóveis durante o relacionamento familiar. Formalmente, ela perdura até que seja feita a partilha dos bens, o que no casamento depende do divórcio (uma das formas de dissolução desta entidade familiar).

Após a partilha, cada cônjuge passa a ser proprietário, individualmente ou em conjunto, dos bens móveis e imóveis que possuíam. Esta divisão dos bens depende do regime adotado e da realidade patrimonial presente em cada caso.

Mas, e se as partes não formalizam o divórcio ou a partilha dos seus bens até quando perdura a mancomunhão?

A doutrina considerava que desde a separação de fato haveria o fim da mancomunhão dos bens[3], para evitar que os ex-cônjuges pudessem adiar o pedido de divórcio ou partilha dos bens em benefício próprio e com isso desfrutar da sua própria inércia. Contudo, a jurisprudência divergia deste entendimento, até o julgamento do Recurso Especial n.º 1.840.561/SP, quando o STJ se posicionou sobre o tema.

Neste julgamento, o STJ entendeu que, durante 23 (vinte e três anos), a ex-mulher exerceu a administração individual de 42 (quarenta e duas) unidades autônomas existentes em um mesmo edifício, pois apenas ela recebia os aluguéis dos imóveis e era responsável pelas locações.

Em razão do lapso temporal de mais de duas décadas, para evitar que a separação de fato impedisse o exercício de direitos que poderiam ser alcançados caso o divórcio tivesse ocorrido, entendeu-se pelo fim da mancomunhão desde a separação de fato. Por consequência, admitiu-se a existência da copropriedade entre os ex-cônjuges e, assim, como apenas um dos coproprietários exerceu a posse dos imóveis durante os 23 (vinte e três) anos, julgou-se a usucapião dos imóveis, para que a ex-mulher passasse a ser proprietária da fração que caberia ao seu ex-marido nos 42 (quarenta e dois) imóveis.

A partir deste julgamento, é importante ficar atento para o fato de que mesmo que não tenha sido realizada a partilha dos bens ou formalizado o divórcio, se um dos ex-cônjuges exerce individualmente a sua posse, poderá requerer a propriedade por usucapião.

Glenda Gonçalves Gondim é advogada, professora universitária e mestre e doutora em Direito pela UFPR

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