No dia 13 de dezembro o Supremo Tribunal Federal (STF) deu à luz a Maria, uma inteligência artificial (IA) que elabora resumos de votos, relatórios em processos recursais e realiza a análise inicial de processos da classe Reclamações. Um prodígio técnico que, somado ao ChatGPT, promete transformar a mais alta Corte do país com avanços tecnológicos que vão agilizar os processos. Um adjetivo importante que explica o modo como a ferramenta funciona é “generativa”, são arquivos (memórias) em bancos de dados que são selecionados e apresentados de maneira a parecer que tenham alguma relação com a realidade para passar pela percepção humana. Ou seja, haverá no STF um simulacro do pensamento dos onze Ministros.

As IA’s estão no nosso cotidiano e podemos cair na lorota pseudocientífica de que em algum momento essas “inteligências” irão ganhar consciência e tomar o lugar humano. Para derrubar a armadilha linguística que começa no nome “inteligência”, lembremos o filósofo Ludwig Wittgenstein, no "Livro Azul", que questiona “é possível que uma máquina pense?". Pensamento e inteligência são palavras do nosso cotidiano que se referem a fenômenos psicológicos internos e práticas sociais, é uma questão mais conceitual que empírica. Questionar se uma máquina pode pensar é uma impossibilidade lógica, é como se perguntasse "qual é a cor do número 3?", não pertence ao domínio da experiência, no máximo chuta a resposta que você quer ouvir. Pensar é outra coisa.

Maria está muito mais próxima ao argumento do Quarto Chinês de Searle do que do teste de Turing. Para Wittgenstein, humanos e máquinas seguem regras, porém com diferenças. Máquinas seguem sem saber o que estão fazendo, enquanto os humanos dão sentido as regras conforme o contexto de vida de cada indivíduo. Wittgenstein chamava isso de "visão de aspectos", que é a capacidade de perceber algo sob diferentes perspectivas. Num caso como da figura do pato-coelho, Maria “vê” zeros e uns, um ser humano pode enxergar um pato ou um coelho, sem que outro o ensine. Essa percepção é exclusiva, envolve uma dimensão que só existe em nós.

A experiência humana no contexto de vida é mais que uma técnica, nos lembra Miguel Reale que o Direito envolve valores (o axiológico), fatos (o fático) e formalidades (o técnico-formal). A IA, por mais eficiente, é incapaz de vivenciar ou interpretar valores, logo só pode ser uma ferramenta, jamais uma substituta. Não há o que temer, Maria não irá ganhar vida e substituir os humanos, ainda será dos Ministros a incumbência de interpretar as leis. Longe de ser a HAL 2000 versão tupiniquim, o novo aspirador de pó com tela e crachá do STF, não irá substituir a função que só o ser humano é capaz. É apenas um novo brinquedo tecnológico do STF, útil para tarefas burocráticas, mas incapaz de decidir com o coração humano — ou de cometer os erros brilhantes que fazem de nós o que somos.

Matheus Petrachin Fernandes é licenciado em Filosofia e graduando em Física na UEL