Não bastasse o fato insólito de um estudante de veterinária ter uma cobra naja em cativeiro, dentro de seu apartamento em Brasília, o fato do animal ter picado seu “proprietário”, Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkul, 22 anos, no último dia 7, teve desdobramentos que vão desde sua internação em UTI por vários dias, com risco de morte, até a descoberta de outras serpentes mantidas por ele e seus amigos, pondo em risco não só suas vidas, mas as dos outros.

Ao sair da UTI, o estudante não se livrou do problema, pois viriam outros que nem mesmo o pagamento da multa de R$ 61 mil reais seria suficiente para colocá-lo a salvo após um ato não só extravagante, como altamente suspeito.

Nesta terça-feira (21), circulava pela imprensa a notícia de que o veneno da naja poderia estar sendo usado para fabricar alucinógenos e drogas sintéticas, esta é uma das hipóteses levantadas pela Polícia Federal do DF, onde foram apreendidas 16 cobras no total, sendo algumas das espécies consideradas as mais venenosas do mundo.

Enfileirando suspeitas insólitas, o caso ainda não foi desvendado, mas além dessas hipóteses pesam sobre rapaz que foi descoberto como um “criador de cobras” uma outra hipótese também muito grave: a de participar do tráfico internacional de animais exóticos.

O tráfico internacional de animais se insere na ideia de utilitarismo que os seres humanos fazem de outras espécies, colocando-se no centro do mundo como a espécie capaz de dominar não só os outros seres, mas todo meio ambiente cada vez mais destruído, queimado e vilipendiado. A consciência desses crimes está longe de ser alvo de reflexão da maioria sobre o papel da espécie humana no mundo. Peso que só é sentido quando a falta de responsabilidade ambiental e de conexão com o planeta expõem a humanidade a epidemias como essa que acua o mundo, propagada por um vírus invisível a olho nu, mas que transformou radicalmente o modo de vida de países e continentes inteiros.

O tráfico de animais é apontado como a terceira atividade ilícita do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e armas em termo de recursos mobilizados. Estima-se que essa mobilização atinja cerca de US$ 1,5 bilhão por ano. No Brasil, uma lei federal determina sanções penais para quem “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente”. Com previsão de multa e detenção que pode ser de seis meses a um ano.

A lei, embora exista, ainda parece insuficiente para impor limites sérios para quem apanha e utiliza animais silvestres, como no caso do estudante de Brasília que pode ser condenado não só por manter uma naja em cativeiro, como é suspeito de manipular seu veneno para produção de entorpecentes, o que incorreria num segundo crime.

Enquanto nada disso é provado, o fato insólito serve de tema de reflexão sobre o papel abusivo dos seres humanos sobre outras espécies. As leis de proteção à fauna ainda carecem de um olhar mais atento do legislador, não só para que sejam cumpridas, mas para que se equiparem ao peso dos atos criminosos que podem acontecer aqui mesmo na vizinhança, debaixo de nossos olhos, com muito mais facilidade do que se supõe.

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