Em 29 de junho de 2023, o TSE declarou a inelegibilidade do presidente Bolsonaro por oito anos, decorrente da reunião do presidente com embaixadores no Palácio da Alvorada, em relação às críticas sobre as urnas eletrônicas. Isso teria ensejado, à luz do Tribunal, desvio de finalidade das atribuições presidenciais.

Em seu voto, o ministro Floriano apontou que: 1) o evento em questão não se inseriu nas atividades diplomáticas de representação do país perante autoridades estrangeiras; 2) a organização da reunião não ficou a cargo dos órgãos que seriam competentes para fazê-lo, o que demonstra não se tratar de um ato regular de governo; e, 3) o evento foi realizado fora dos lugares próprios e adequados para atos de governo, sendo realizado na residência oficial (Palácio da Alvorada). Vale dizer, reconheceu-se tratar de ato estranho às funções do presidente.

Também o ministro-relator Benedito, no item 67 do Acórdão de condenação na Ação de Investigação Judicial Eleitoral, afirma que não houve um diálogo institucional na reunião de 18/07/2022, entre o presidente e embaixadores. E, no voto pela condenação à inelegibilidade, o próprio ministro-presidente do Tribunal, à época, Alexandre, concluiu que: "Ora, basta assistir ao vídeo, basta ler a transcrição da reunião para ver que nenhuma dessas funções, relacionadas à condução da política externa, foi realizada nessa reunião".

Ocorre que, assim como os deputados e senadores possuem regramento constitucional próprio acerca da imunidade parlamentar, também o possui o presidente da República. Ou seja, essas autoridades constitucionais, além do direito fundamental que todos os cidadãos comuns têm sobre a liberdade de expressão, têm imunidades que levam à inviolabilidade, nos termos da Constituição.

Veja que quando reconheceram que a reunião com embaixadores não se caracterizou como ato institucional da Presidência da República, ficou claro e comprovado que: a reunião com os embaixadores para tratar das urnas eletrônicas não estava nas atribuições, nas funções constitucionais do presidente da República. E aí, há a incidência atômica e nuclear da Constituição, art. 86, §4º, que dispõe que: "O presidente da república, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções."

Repare o vocábulo "funções". O Dicionário Aurélio esclarece que o vocábulo função, juridicamente, significa: "O conjunto de direitos, obrigações e atribuições - reparem este termo- duma pessoa em sua atividade profissional específica."

Ora, basta olharmos para a Seção II, art. 84, da Constituição, para vermos quais são as atribuições do presidente. Ali, estão 27 incisos e um parágrafo único. Apenas o inciso 7º trata da relação diplomática do presidente, mas limitada a "acreditar os representantes diplomáticos".

A reunião, não tendo sido feita para "acreditá-los em suas funções de representação diplomática" (art. 84, inciso 7º), tratou-se de evidente ato estranho ao exercício da função do presidente.

Logo: nos termos do art. 86, §4º, o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

É fundamental ressaltar que, os atos praticados pelo presidente na vigência do mandato, sobre os quais incide sua imunidade presidencial, não ficam suspensos para serem julgados após o mandato. Pois, se o legislador constitucional quisesse a suspensão para julgamento posterior, teria feito como fez expressamente com os deputados e senadores, nos termos do art. 53, parágrafos 3º, 4º e 5º, preceituando que: recebida a denúncia por crime cometido após a diplomação parlamentar, a respectiva Casa Legislativa poderá sustar o trâmite da ação na vigência do mandato. E durante essa suspensão, não incide a prescrição, ou seja, após o término do mandato, a ação para responsabilização retoma seu curso.

O legislador constitucional não quis essa ressalva ao presidente da República. Previu, porém, que infrações penais comuns é julgada pelo Supremo, e crime de responsabilidade pelo Senado, desde que, em ambos os casos, autorizado previamente pela Câmara dos Deputados (art. 86). Fora isso, na vigência do mandato, o presidente não responde por atos estranhos às suas funções; e ao deixar seu cargo, não pode responder nenhuma ação nesse sentido, pois, constitucionalmente, é como se tais atos jamais houvessem existido.

Cumpra-se a Constituição!

Eduardo Tozzini, advogado.