A charge de 8 de fevereiro, ilustrativa e degolantemente, suscita-nos a reflexão sobre a questão da honra e sua defesa legítima à luz do Código Criminal de 1830, o atual Código Penal e, sobretudo, o modelo constitucional para defesa da honra em vigor.

Para além do caso excepcional da legítima defesa, quando há ofensa à honra a nossa 7ª Constituição protege esse direito subjetivo e estritamente pessoal, garantindo à pessoa ofendida - assim considerada após o inafastável devido processo legal, garantindo às partes o contraditório e a ampla defesa- o direito de resposta, e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, inciso V), a ser avaliado no caso concreto.

Pois bem, a tese da legítima defesa da honra, apesar do nome assemelhar-se ao instituto previsto no atual Código Penal, art. 23, inciso II e 25, capaz de excluir a antijuridicidade de um fato típico e, portanto, afastar a aplicação da lei penal, desde que presentes os requisitos do uso moderado do meio necessário para repelir injusta agressão, atual ou que esteja a ponto de acontecer, a direito seu ou de terceiro, com ele não se confunde; e inspirado na sátira do dia 8, em que pouco antes de perder a cabeça diz: “Não foi feminicídio. Foi legítima defesa da hon...”, vem à mente o Código Penal, prevendo no artigo 28 que a emoção não exclui a imputabilidade da pena, antes lhe pode dar como atenuante (art. 65, III, a), se provar que o crime foi cometido por relevante valor moral, por exemplo, ou sob influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima (art. 65, inciso III, c) -e aqui vejo a questão da honra, emoção pura.

A opção do Código Penal (CP/1940) em vigor, reformado em 1984, assemelha-se ao sentimento do legislador de 1830: Em 16 de dezembro de 1830, o Imperador D. Pedro I sancionou o Código Criminal (CP/1830), subscrito pelo Ministro da Justiça Visconde de Alcântara (magistrado de São Luís do Maranhão (MA) que, além de Desembargador foi Ministro do STF), prevendo no art. 14, com seis parágrafos, a legítima defesa, ali inserida no capítulo dos crimes justificáveis, “§2º Quando for feito em defesa da própria pessoa, ou de seus direitos; §3º Quando for feito em defesa da família do delinquente”, era a linguagem da lei.

LEIA MAIS:

- A LGU e a pós-graduação no Paraná

Mas para que o crime fosse justificável nestes dois casos, deveriam intervir conjuntamente três requisitos: 1º Certeza do mal, que os delinquentes se propuseram evitar: 2º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial; 3º O não ter havido da parte deles, ou de suas famílias provocação, ou delito, que ocasionasse o conflito.”

De outra forma, quando da defesa da honra, o artigo 18, §4º, previa que a pratica do crime “em desafronta de alguma injúria, ou de desonra que lhe fosse feita, ou a seus ascendentes, descendentes, cônjuge ou irmãos” poderia ser considerada como atenuante. Em ambos os Códigos a legítima defesa (reação física para repelir injusta agressão) não se confunde com a defesa legítima da honra (reação moral indenizatória).

Por fim, tenciono a crer que os crimes contra a honra previstos no Código Penal de 1940 (calúnia, injúria e difamação), podem não ter sido recepcionados pela Constituição. Isto porque quando da entrada em vigor do Código Penal, estávamos sob a Constituição de 1937 que, inspirada no modelo semifascista polonês, ao prever o direito a todo cidadão de manifestar seu pensamento oralmente ou por escrito, impresso ou por imagens, atribuía expressamente à lei infraconstitucional sua regulamentação (art. 122, parágrafo 15). Já a atual Constituição garantiu ser livre a manifestação do pensamento (vedado o anonimato), dispondo como se deve proceder em caso de ofensa à honra e não atribuiu à lei qualquer regulamentação. A defesa legítima da honra passou a ser matéria cível indenizatória, não criminal, nos termos da Constituição, a meu ver.

Eduardo Tozzini, advogado em Londrina

Os artigos, cartas e comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina, que os reproduz em exercício da sua atividade jornalística e diante da liberdade de expressão e comunicação que lhes são inerentes.
COMO PARTICIPAR| Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. As cartas devem ter no máximo 700 caracteres e vir acompanhadas de nome completo, RG, endereço, cidade, telefone e profissão ou ocupação.| As opiniões poderão ser resumidas pelo jornal. | ENVIE PARA [email protected]