Moscou, Rússia - Na véspera da data anunciada por serviços de inteligência ocidental como a de uma possível invasão da Ucrânia pela Rússia, o governo de Vladimir Putin anunciou o início da retirada de parte das tropas que se exercitavam perto das fronteiras do vizinho.

Mikhail Klimentyev/Sputnik/AFP 

Desde novembro, Putin concentrou ao menos 130 mil soldados em torno da Ucrânia
Mikhail Klimentyev/Sputnik/AFP Desde novembro, Putin concentrou ao menos 130 mil soldados em torno da Ucrânia | Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik/AFP

O anúncio, feito às agências de notícias russas pelo Ministério da Defesa, não especifica quantos soldados estão envolvidos na volta às suas bases permanentes, apenas que eles fazem parte dos distritos militares Ocidental e Sul, em áreas contíguas ao território ucraniano.

Ao mesmo tempo, avança a manobra russa de reconhecer as áreas separatistas na Ucrânia como governo, o que pode manter Kiev longe da adesão ao Ocidente, como deseja o presidente russo.

Desde novembro, Putin concentrou ao menos 130 mil soldados em torno do vizinho e emitiu um ultimato buscando estabelecer um novo concerto de segurança no Leste Europeu mais a seu gosto, após 30 anos de expansão da Otan (aliança militar ocidental) e da UE (União Europeia) sobre os antigos satélites comunistas de Moscou.

O Ocidente rejeitou a ideia. Desde a semana passada, os Estados Unidos lideram uma onda alarmista, citando até a data desta quarta como a de uma invasão, que chama de "iminente" desde o começo do ano. Na segunda (14), imagens de satélite da empresa americana Maxar sugeriram o envio de mais tropas no fim de semana, talvez totalizando 150 mil soldados.

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O Kremlin nega ter intenção de invadir, e por isso uma eventual retirada é politicamente vendável por Putin como algo natural.

Previsivelmente, o Ocidente reagiu com ceticismo. O secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, afirmou não ter visto ainda "sinais de desescalada militar", mantendo de todo modo a porta para "conversar com a Rússia". Já a chanceler britânica, Liz Truss, que discutiu duramente com o colega Lavrov na semana passada, disse que apenas "uma remoção total das tropas" provará o recuo.

Mas não há nada de casual no anúncio. Ele ocorreu quando desembarcava em Moscou o premiê da Alemanha, Olaf Scholz, em sua primeira visita a Putin desde que assumiu a cadeira que foi por 16 anos de Angela Merkel.

Sob intensa pressão doméstica e por parte do presidente Joe Biden, que visitou em Washington, Scholz ouviu de Putin em entrevista coletiva que o russo "está pronto para trabalhar" em uma saída negociada para a crise.

Destoando de outros líderes ocidentais e da Ucrânia, Scholz também disse que a redução de tropas anunciada "é um bom sinal". "Claro que não queremos a guerra", disse Putin.

Scholz levou ao encontro a carta mais poderosa, exceto que se considere a possibilidade de armas nucleares serem empregadas numa guerra europeia: seu mercado para o gás natural russo.

A Alemanha, mas também a França e outras nações europeias, têm fortes investimentos em infraestrutura energética com Moscou. Cerca de 40% do consumo de gás natural do continente é suprido pelos russos.

Em setembro passado, foi completado o gasoduto Nord Stream 2, que irá duplicar a quantidade de gás enviado diretamente da Rússia para os alemães, tirando assim rendimentos do trânsito feito por meio de antigas rotas soviéticas pela Ucrânia - anualmente, Kiev tira algo como US$ 2 bilhões desse pedágio. Berlim adiou o início de sua operação alegando detalhes burocráticos.

Biden já disse que o Nord Stream 2 não entrará em operação caso a Rússia ataque a Ucrânia, mas não foi secundado integralmente por Scholz, o que levou a críticas dentro da coalizão de governo em Berlim. Na entrevista com Putin, ele respondeu ao ser questionado que estava "comprometido" com a manutenção do trânsito por território ucraniano.

Biden segue com a retórica inflamada e corre o risco de sair da crise com fama de alarmista. Tentará vender, por sua vez, que a denúncia dos movimentos do rival russo como um instrumento efetivo de dissuasão. Na Rússia, por ora a conversa de Putin parece ter convencido o público; nos EUA, as eleições parlamentares de novembro poderão dar a medida da tática do presidente americano.

Claro que tudo ainda dependerá da avaliação da eventual retirada russa. Em abril do ano passado houve um movimento semelhante, mais discreto, e analistas militares moscovitas dizem que muito do que foi mobilizado acabou consolidado em bases mais próximas da fronteira ucraniana, apesar de as tropas em si terem voltado para casa.

Se de fato estivermos diante de um esfriamento da crise, um beneficiário acidental será o presidente Jair Bolsonaro, que chegou nesta tarde (manhã em Brasília) a Moscou. Ele vem sendo criticado pelo "timing" de sua visita a Putin, que o havia convidado em dezembro, e um ambiente menos tenso poderá fazer a decisão de manter a viagem menos onerosa.

Os presidentes se encontram na quarta (16), o dia segundo as agências de espionagem americana e britânica da potencial invasão. Isso virou piada entre pessoas com acesso ao Kremlin: um empresário pediu à reportagem para deixar um encontro para depois de quarta, para "poder assistir à invasão na CNN".

Aparentemente, Putin também se diverte. Segundo seu porta-voz, Dmitri Peskov, o chefe brincou que seu time deveria "descobrir a hora exata do começo da guerra". "É impossível entender essa loucura maníaca informativa", disse.

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