Brasília - O presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu participar da Cúpula das Américas, encontro de líderes do continente que ocorrerá no início de junho em Los Angeles. A informação foi confirmada pelo Itamaraty. Também está prevista a reunião bilateral com o presidente dos EUA, Joe Biden, à margem da reunião.

Bolsonaro havia sinalizado que poderia faltar à cúpula, o que gerou na equipe de Biden o temor de esvaziamento do encontro
Bolsonaro havia sinalizado que poderia faltar à cúpula, o que gerou na equipe de Biden o temor de esvaziamento do encontro | Foto: Filipe Araujo/AFP

Bolsonaro recebeu na terça-feira (24) um emissário do governo americano, o ex-senador Christopher Dodd, que viajou a Brasília com a missão de convencer o chefe do Executivo brasileiro a participar do evento.

O presidente havia sinalizado que poderia faltar à cúpula, o que gerou na equipe de Biden o temor de esvaziamento do encontro - o líder do México, Andrés Manuel López Obrador, sinalizou que não pretende comparecer.

No caso do líder brasileiro, a resistência em sair do país era devido ao cenário interno. Em pré-campanha pela reeleição, ele afirmou a aliados que a prioridade nos próximos meses é a agenda doméstica.

Já a reunião com o presidente americano à margem da cúpula, uma maneira que os EUA encontraram para convencer Bolsonaro a viajar, era, ao mesmo tempo, desejada por membros do Planalto para reforçar o argumento de que o Brasil não está isolado internacionalmente e vista como algo de pouco valor eleitoral, porque o presidente é aliado declarado do antecessor de Biden, Donald Trump.

Nas eleições presidenciais americanas de 2020, Bolsonaro foi um dos últimos líderes a cumprimentar o democrata e, em diversas declarações, colocou em dúvida a vitória dele, endossando as acusações do ex-presidente americano, sem base na realidade, de que teria havido fraude no pleito.

Assim, críticas anteriores dos EUA em relação à preservação da Amazônia e pedidos reiterados de compromisso com a democracia criaram rusgas entre Bolsonaro e Biden. No início de maio, por exemplo, a agência de notícias Reuters divulgou que William Burns, diretor da CIA, a agência de inteligência dos EUA, teria dito a autoridades de alto escalão do governo brasileiro que Bolsonaro deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema de votação, o que teria desagradado a cúpula do Planalto.

Assessores do líder brasileiro argumentam que, no caso de uma reunião bilateral, Biden pode renovar uma cobrança do tipo - o que, mesmo em termos genéricos, seria combustível para opositores do presidente. Do lado americano, interlocutores dizem que os EUA não têm intenção de criar constrangimentos.

A Cúpula das Américas, no entanto, terá cinco assuntos prioritários, e a defesa da democracia deverá ser o principal, de acordo com Debbie Mucarsel-Powell, conselheira especial para o evento. Em debate realizado pelo centro de estudos Atlantic Council, ela afirmou que o encontro vai "perseguir uma agenda regional centrada em nosso apoio compartilhado à democracia e aos direitos humanos".

Já para Obrador, a presença na reunião em Los Angeles foi condicionada ao convite dos americanos aos governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, ditaduras consideradas párias por Washington.

Os convites estão de fato fora de cogitação, como prova declaração de Kevin O'Reilly, coordenador da cúpula, a um comitê do Senado. Ao ser questionado nesta quinta (26) sobre a participação de autoridades do regime de Nicolás Maduro, disse: "De jeito nenhum. Não os reconhecemos como governo soberano."

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A fala contrasta com movimentos anteriores da Casa Branca, que acenavam para uma aproximação com os governos de Venezuela e Cuba. Há dez dias, os EUA flexibilizaram sanções e restrições contra Havana e Caracas, em outro esforço de Biden para tentar dobrar a resistência do presidente mexicano.

Antes, ainda, o governo americano chegou a considerar um convite a representantes de Cuba, desde que os enviados tivessem status inferior ao do ministro de Relações Exteriores. Para os EUA, realizar o encontro no país sem os governantes de Brasil e México, as duas maiores economias da América Latina, seria um fiasco diplomático e reforçaria a imagem de que Washington não tem o protagonismo de outrora.

A nona edição da Cúpula das Américas, organizada pelos EUA, foi idealizada como uma forma de simbolizar o retorno da liderança do país sob comando do democrata em assuntos latino-americanos.

Durante a Presidência de Donald Trump, a região ficou em segundo plano, e o republicano chegou a faltar ao evento em 2018, tornando-se o primeiro líder americano a negligenciar o encontro.

No Itamaraty, diplomatas veem no risco de esvaziamento da cúpula uma oportunidade que não deveria ser desperdiçada. Após meses de atritos entre os governos de EUA e Brasil, pela primeira vez o americano se encontra numa situação de dificuldade em que precisa da colaboração de Bolsonaro. De acordo com interlocutores, o presidente brasileiro está numa posição em que pode exigir gestos dos americanos.