São Paulo - Na corrida contra o tempo para tentar atenuar os efeitos de sua popularidade em baixa nas eleições legislativas de meio de mandato, Joe Biden tem feito novos acenos em direção a uma promessa de campanha que é demanda histórica de parte da sociedade americana: o perdão das dívidas estudantis.

Em abril, Biden voltou a estender a moratória do pagamento de dívidas por empréstimos estudantis para 31 de agosto
Em abril, Biden voltou a estender a moratória do pagamento de dívidas por empréstimos estudantis para 31 de agosto | Foto: Nicholas Kamm/AFP

Mesmo que ainda não tenha oficializado a medida, o presidente viu a pressão sobre o tema crescer na forma de cartas enviadas para a Casa Branca – que chegam de forma coordenada, como parte de uma campanha das redes sociais.

A hashtag #pensforbiden (canetas para Biden) tem incentivado a população a enviar correspondências para a residência oficial da Presidência demandando que ele faça valer a promessa.

"Prezado presidente Biden [...], confiamos em você como um homem de palavra e todos sabemos que você tem o poder executivo para assinar um ato de perdão das dívidas [estudantis]; a minha me impede de participar ativamente da economia", escreveu um dos remetentes. "Talvez você não encontre uma boa caneta para assinar a medida, então estou enviando uma."

As dívidas hoje são avaliadas em cerca de US$ 1,4 trilhão (R$ 6,8 trilhões), mas os eleitores apostam também no timing eleitoral para organizar a campanha: com a proximidade das chamadas midterms – marcadas para 8 de novembro –, nas quais a maioria democrata no Congresso está em jogo, eles sabem que Biden precisa virar o jogo de sua popularidade.

Há um debate sobre o poder que o presidente teria para decretar unilateralmente o perdão, mas em qualquer cenário o tempo é curto. Se ele viesse direto do Executivo, Biden deveria fazê-lo logo, para tentar reforçar a base de apoio enfraquecida; se encaminhasse a proposta ao Legislativo, teria de aproveitar os meses em que ainda sabe que terá maioria parlamentar, mesmo que estreita.

Em abril, ele voltou a estender a moratória do pagamento de dívidas por empréstimos estudantis, então marcada para 1º de maio, até 31 de agosto. A medida, uma forma de mitigar os efeitos da pandemia na economia, representou uma pausa histórica de 30 meses no pagamento.

O aceno mais recente veio na última semana. Depois de uma reunião do presidente com membros do Congressional Hispanic Caucus, a bancada de parlamentares latinos, a imprensa americana noticiou que Biden se demonstrou favorável a estender a moratória e a tomar medidas mais arrojadas para aliviar as dívidas.

"Esse tipo de medida indica um deslocamento do Partido Democrata mais à esquerda", diz Carlos Poggio, especialista em política americana e professor da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo. "São questões que eram tabus, estavam mais nas franjas do partido e agora chegam ao centro. E Biden é um tipo de político que vai para onde é o centro de gravidade do partido."

O cancelamento das dívidas estudantis foi alçado como bandeira de campanha nas eleições de 2020 não por Biden, mas por outros nomes que disputaram as primárias democratas – notadamente Elizabeth Warren e Bernie Sanders, ambos senadores. O ex-vice-presidente se viu obrigado, assim, a abraçar a proposta para forjar alianças.

Pesa, ainda, o apoio dos mais jovens, aqueles que seriam os mais beneficiados do perdão das dívidas e que, por outro lado, têm se distanciado de Biden. "São políticas largamente defendidas pela ala mais jovem, liberal e urbana do Partido Democrata", diz Poggio.

Pesquisa Gallup de abril mostra que a faixa etária de 18 a 29 anos foi a que mais deixou de apoiar o presidente desde o início do mandato: a aprovação, que era de 61% no primeiro semestre da gestão, foi para 38% no semestre encerrado em março. A queda percentual é a maior em relação aos outros grupos, e o índice de aprovação também.

Cinco senadores republicanos apresentaram na quarta (27) um projeto de lei, descrevendo as políticas de Biden na área como imprudentes, para proibir o presidente de estender o prazo da moratória e de perdoar as dívidas. Eles argumentam que "contribuintes e famílias trabalhadoras não devem ser responsáveis por continuar a arcar com os custos associados a isso".

Cálculos do Federal Reserve Bank de Nova York dão noção de quanto o alívio da dívida custaria ao país. Caso fosse estabelecido o teto de US$ 10 mil por pessoa, o valor total seria de US$ 321 bilhões. Já se o teto fosse de US$ 50 mil, a cifra iria para US$ 904 bilhões – 4,7% do PIB americano. Cerca de 37,9 milhões de americanos têm empréstimos estudantis federais a pagar.

"É uma dívida amortizável com a qual o Estado teria condições de arcar", diz o cientista político Hussein Kalout, pesquisador de Harvard. "E um olhar a médio prazo permite ver que não é um ônus, mas sim um bônus para o país a possibilidade de que, num mundo cada vez mais competitivo, um jovem não inicie a carreira endividado."

Kalout, também conselheiro consultivo internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), destaca ainda que aliviar ou perdoar as dívidas poderia fortalecer redutos democratas em alguns estados. "Isso favoreceria a classe média em espaços tradicionalmente conservadores, já que, nos últimos anos, houve uma migração de bases sindicais e operárias para a plataforma republicana."

E há o componente racial. Universitários negros devem em média US$ 25 mil a mais em empréstimos estudantis do que os brancos, de acordo com dados compilados pela Education Data Initiative.

Em recente artigo, Andre M. Perry, doutorado em política educacional e associado do Instituto Brookings, afirmou que dívidas universitárias contribuem para a fragilidade da classe média negra em ascensão. "A dívida reforça a diferença racial de riqueza", escreveu.