São Paulo - O presidente Joe Biden afirmou nesta segunda-feira (23) que os Estados Unidos usariam a força para defender Taiwan caso a ilha fosse invadida pela China – um comentário que, segundo assessores do democrata, não representa nenhuma mudança na política americana em relação ao território, mas que gera a expectativa de uma reação mais dura no discurso de Pequim.

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"Nós concordamos com a política de uma só China, nós aderimos a ela e a todos os acordos feitos a partir daí", afirmou Biden
Rodrigo Reyes Marin/Pool/AFP "Nós concordamos com a política de uma só China, nós aderimos a ela e a todos os acordos feitos a partir daí", afirmou Biden | Foto: Rodrigo Reyes Marin/Pool/AFP

Biden participava de uma entrevista coletiva ao lado do premiê do Japão, Fumio Kishida, como parte de sua primeira viagem à Ásia desde que foi eleito para a Casa Branca, quando foi questionado por um jornalista se os EUA defenderiam Taiwan em caso de ataque.

A resposta do presidente foi direta. "Sim. Esse é o compromisso que assumimos", afirmou. "Nós concordamos com a política de uma só China, nós aderimos a ela e a todos os acordos feitos a partir daí. Mas a ideia de que [Taiwan] pode ser tomada à força não é apropriada". Biden acrescentou que sua expectativa é de que esse cenário não aconteça ou seja tentado por Pequim.

A fala reitera o posicionamento de Washington definido como "ambiguidade estratégica" - por meio dessa abordagem, os EUA têm um acordo de fornecimento de armas e outros tipos de assistência à ilha, mas não contestam formalmente a alegada soberania de Pequim em relação a Taiwan, mas se dizem comprometidos a garantir que a ilha possa se defender.

Esta não foi, contudo, a primeira declaração de Biden indicando uma ação dos EUA em defesa de Taiwan contra uma eventual invasão chinesa. Há, na verdade, uma série delas. Em outubro de 2021, por exemplo, o democrata concedeu entrevista à CNN americana em que que foi questionado por um membro da plateia sobre o tema e deu resposta semelhante à sua fala desta segunda.

Na ocasião, além de afirmar que os EUA "têm um compromisso" com a defesa de Taiwan, Biden reafirmou o poderio militar americano em uma fala interpretada como uma provocação aos principais adversários geopolíticos de Washington. "China, Rússia e o resto do mundo sabem que somos os militares mais poderosos da história", disse o presidente.

A reação de Pequim, à época, seguiu o protocolo da diplomacia chinesa, que comumente busca classificar de interferência externa quaisquer comentários feitos sobre o status de Taiwan. "Quando se trata de questões relacionadas à soberania e integridade territorial da China e outros interesses fundamentais, não há espaço para fazer compromissos ou concessões", afirmou àquela altura Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês.

O único comentário público acerca da fala de Biden havia vindo de um porta-voz da diplomacia chinesa, que expressou "forte insatisfação e oposição à resolução das declarações" do americano. O Ministério das Relações Exteriores de Taiwan, por sua vez, divulgou nota em que agradece a Biden por seu apoio.

Taiwan é um tema considerado ultrassensível para Pequim. Para o regime chinês, a ilha é uma província rebelde. "Opomo-nos firmemente às atividades separatistas que buscam a 'independência de Taiwan'. Opomo-nos firmemente à interferência estrangeira", diz um trecho da resolução histórica do Partido Comunista Chinês publicada no ano passado, quando alcançou seu centenário.

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Para Grant Newsham, coronel aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA e agora pesquisador do Fórum do Japão para Estudos Estratégicos, o significado da fala do presidente americano é claro. "Esta declaração merece ser levada a sério. É uma declaração bastante clara de que os EUA não ficarão de braços cruzados se a China atacar Taiwan".

No início do mês, o diretor da CIA, William Burns, disse que Pequim observa "com atenção" a invasão da Ucrânia para aprender as lições dos "custos e consequências" de uma eventual tomada da ilha pela força.

Mais recentemente, a China acusou os EUA de "manipulação política" após o Departamento de Estado editar o verbete sobre relações com Taiwan em seu site. A pasta removeu um trecho em que mencionava não apoiar a independência da ilha e reconhecer a posição chinesa sobre o território ser parte do país.

Segundo analistas, os comentários de Biden sobre Taiwan podem ofuscar o ponto central de sua agenda no Japão, o lançamento do Quadro Econômico Indo-Pacífico (IPEF, na sigla em inglês), iniciativa que estabelece padrões sobre trabalho, ambiente e cadeias de suprimentos na relação entre EUA e seus aliados na Ásia.

A viagem do americano ao continente começou na última sexta-feira (20), na Coreia do Sul. Ele deve se encontrar ainda com outros líderes do Quad, grupo de cooperação de segurança formado por EUA, Austrália, Índia e Japão como forma de conter a crescente influência da China sobre a Ásia.

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