BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, obteve de sua primeira participação no G7 o mais duro comunicado em relação à China desde o início do governo do presidente Xi Jinping, em 2012. No comunicado do grupo de potências industrializadas, o país asiático é citado diretamente cinco vezes (incluindo uma menção a Taiwan).

Os itens criticam falta de transparência na investigação sobre a origem do Sars-Cov-2, intervenção estatal e práticas comerciais distorcivas e desrespeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, especialmente em Hong Kong e Xingiang, onde vivem os uigures, minoria muçulmana.

Em pelo menos outros 8 de 70 itens do documento, que ocupa 25 páginas, a alusão à China nas entrelinhas é indisfarçável. É o caso de referências a trabalho forçado, precarização do trabalho, transferência forçada de tecnologia, furto de propriedade intelectual e uso desleal de subsídios estatais, que, embora não mencionem explicitamente a potência asiática, abordam problemas constantemente atribuídos pelos líderes ocidentais ao sistema econômico chinês.

No item em que citam "trabalho forçado patrocinado pelo estado de grupos vulneráveis e minorias, incluindo nos setores agrícola, solar e de vestuário", os líderes do G7 parecer ter parado a duas palavras de incluir "em Xinjiang", onde os três setores estão presentes.

Para além das menções diretas ou indiretas no comunicado final, a China foi quase onipresente nos debates entre EUA, Reino Unido, Japão, Alemanha, França, Itália, Canadá e União Europeia, não só quando eles concordavam --na condenação de atentados a direitos humanos-- como também nas posições divergentes. Nessas, pesa principalmente a relutância europeia em afrontar um país com o qual o continente tem negócios em curso e em vista.

Nas últimas duas décadas, o Reino Unido recebeu 50 bilhões de euros (R$ 310 bi) de investimentos chineses, a Alemanha, quase 23 bilhões de euros (mais de R$ 141 bi), a Itália, cerca de 16 bilhões (R$ 98 bi), e a França, 14,4 bilhões de euros (R$ 89 bi).

Com Joe Biden nas mesas em vez do ex-presidente Donald Trump, o encontro também refletiu uma mudança na estratégia para fazer frente ao crescente poder da China: saem as guerras tarifárias e entram doações e empréstimos. Se o país asiático avança com exportação de vacinas, as democracias contra-atacam com doações de imunizantes "sem contrapartidas".

Se a China atrai dezenas de países para sua esfera de influência com as rodovias, ferrovias e cabos da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês), os líderes do G7 acenam com bilhões de dólares para projetos de infraestrutura, mas "financeiramente sustentáveis, transparentes e ambientalmente responsáveis".

A investida ocidental ainda está longe de desembolsar recursos e nem mesmo definiu seus valores, mas já tem nome e sigla: Reconstruir Melhor para o Mundo, ou B2W.

Biden repetiu o conceito geral em seus pronunciamentos no início e no final do fórum na Inglaterra: contra um concorrente com o poder de fogo da China, a batalha dos países democráticos só será vencida se eles convencerem o mundo de que são uma alternativa melhor.

"Estamos em uma competição não com a China em si, mas com autocratas em todo o mundo", disse ele neste domingo (13).

Questionado sobre se esperava que o comunicado do G7 fosse mais explícito nas críticas à China, ele respondeu: "Há várias menções à China. Estou satisfeito", depois de ressaltar que não estava "procurando conflito" com a potência rival.

O governo chinês já havia expressado uma visão diferente, afirmando que "o multilateralismo precisa ser genuíno e não baseado nos interesses de um pequeno círculo de países". A declaração se referia aos pedidos de mais acesso aos laboratórios e dados de Wuhan, onde o coronavírus foi detectado inicialmente. Ou seja, antes que fossem citados pontos mais sensíveis politicamente, como Hong Kong e Taiwan.

Se o texto final mostra relativo sucesso de Biden em sua pressão por uma posição mais contundente, líderes europeus foram mais contidos que o presidente americano em suas declarações.

O primeiro-ministro Boris Johnson, por exemplo, não mencionou a China em seu pronunciamento final, nem citou o B2W. O presidente da França, Emmanuel Macron, que antes do fórum defendera a "independência da Europa em relação à estratégia para a China", no final rassaltou que "o G7 não é hostil" ao país asiático.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, endossou o discurso de Biden de que o projeto de infraestrutura visa "convencer os parceiros de que o investimento vem sem amarras, em comparação com a China", mas a UE continua defendendo parcerias com o país asiático em temas como a mudança climática.

O bloco europeu também aprovou recentemente um acordo de investimento com a China, suspenso após conflitos diplomáticos. Neste domingo, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, disse que o tratado só deve ser ratificado se Pequim avançar no respeito a direitos trabalhistas.

Nos compromissos finais, o G7 também concordou com novas leis tributárias internacionais para conter a procura de multinacionais por paraísos fiscais, projetos comuns em áreas como semicondutores, baterias e produtos farmacêuticos, bloqueio de investimentos no uso de carvão como energia e programas de auxílio para que países em desenvolvimento reduzam suas emissões de gás carbônico.

A promessa de doar 1 bilhão de doses de vacina anti-Covid até o final de 2022, que já vinha sendo criticada por entidades como insuficiente, acabou não se realizando totalmente. O documento fala em 870 milhões de doses e, segundo Boris, chegam a 1 bilhão se computados repasses ao consórcio Covax.