Pela Teoria do Adimplemento Substancial do Contrato não se admite a extinção do negócio nos casos em que o inadimplemento é ínfimo se comparado à integralidade das obrigações assumidas e cumpridas pelo devedor.

Exemplificando, em um caso concreto, que foi objeto de julgamento de um recurso pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Cível 1014175-90.2016.8.26.0011), ocorreu o seguinte: as partes celebraram compromisso de compra e venda para a aquisição de bem imóvel, obrigação esta que foi fracionada em 72 (setenta e duas) prestações.

O comprador adimpliu de 62 (sessenta e duas) prestações, realizou o pagamento parcial da prestação de nº 63 (sessenta e três) e inadimpliu as demais.

Isso significa que, como no exemplo acima citado, houve pagamento de percentual superior a 86% da obrigação celebrada.

Contudo, a empresa reclamava o apartamento por causa do atraso consecutivo de três parcelas.

Em razão disso, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou a teoria do adimplemento substancial para impedir que uma construtora tomasse de volta imóvel que estava 86% quitado.

Isso porque o Superior Tribunal de Justiça orienta a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial, uma vez que o inadimplemento se refere a parcela de menos importância do conjunto de obrigações assumidas e já adimplidas pelo devedor (STJ REsp 1255179/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 18/11/2015).

Os tribunais pátrios aplicam a teoria do adimplemento substancial normalmente a casos em que mais de 80% do contrato já foi quitado.

A finalidade é restringir o direito do credor à resolução do negócio quando houver adimplemento tão próximo do objetivo contratado, que torne desarrazoado o direito de resolução.

Em outras palavras, considera-se desarrazoada e desproporcional a retomada do bem imóvel, com a consequente resolução do compromisso de compra e venda, diante do pagamento efetivamente próximo ao pagamento integral do preço ajustado pelo comprador (no exemplo acima mencionado a somatória dos pagamentos encontrava-se efetivamente próxima ao pagamento integral da obrigação, superior a 86%).

Porém, fica o credor autorizado a perseguir o saldo devedor remanescente por outras formas legalmente cabíveis para satisfação do crédito, consideradas proporcionais.

O Enunciado nº 361 CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho Nacional da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em 2006, estabelece que a Teoria do Adimplemento Substancial deve servir de baliza ao art. 475, do Código Civil, fazendo prevalecer a função social do contrato e do princípio da boa-fé objetiva.

Essa teoria está intimamente ligada aos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da vedação do enriquecimento sem causa.

A aplicação dessa teoria consagra um equilíbrio entre a pretensão do credor e a possibilidade do devedor, bem como o respeito aos valores constitucionais como a soberania e dignidade da pessoa humana.

Em conclusão, sempre que possível, como no caso acima exemplificado, o adimplemento substancial do contrato deve ser reconhecido, a fim de preservar valores de soberania e dignidade da pessoa humana.

Marcela Rocha Scalassara é advogada e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/Londrina.

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