É compreensível que os pais, em regra, queiram auxiliar seus filhos na aquisição de bens, especialmente os imóveis, pois mais difíceis de adquirir em razão de que são geralmente de grande valor. Mas como fazer isso em harmonia com a lei?

Importante desde já esclarecer que na venda de bens de ascendentes para descendentes (pai para filho, avó para neto...) a lei prevê algumas condições para sua realização. Isso se dá para evitar que um descendente seja favorecido em relação aos demais, preterindo-os em seu direito hereditário.

Em razão disso, o art. 496 do Código Civil prevê que “é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.

Assim, acaso os pais (ascendentes) queiram vender bem imóvel para um dos seus filhos (descendentes), será necessário a anuência dos demais descendentes. Deste modo, no momento da formalização da venda, quer por meio de contrato particular ou da escritura pública (se o valor da venda for superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país), será necessário que os demais descendentes expressamente consintam com o negócio.

Agora, se já houve a venda sem a observância do art. 496 do CC, como faço para corrigir isso?

Se todos os demais descendentes concordarem, podem, ainda que posteriormente, anuírem, convalescendo assim o negócio entabulado. Por outro lado, acaso algum descendente não concorde com a venda realizada, poderá, pela via judicial, requerer a anulação do negócio, desde que o faça no prazo decadencial dois anos, contados da data da venda (CC, art. 179).

Este é o atual entendimento do STJ – Superior Tribunal de Justiça, evoluindo para não mais aplicar a Súmula nº 494 do STF, forte no entendimento de que a partir da entrada em vigor do atual Código Civil a natureza do vício é o de anulabilidade.

Importante esclarecer que tanto a venda direta de ascendente a descendente, assim como a realizada por intermédio de interposta pessoa, são atos jurídicos anuláveis, desde que comprovada a real intenção de macular uma doação ao descendente adquirente, em prejuízo à legítima dos demais herdeiros, razão pela qual se aplicaria o prazo decadencial previsto na legislação.

Ou seja, o que se objetiva com o preceito legal é, indubitavelmente, preservar a futura legítima dos herdeiros necessários, diante do possível mascaramento de uma doação sob a enganosa roupagem de venda, obstando a vinda do bem recebido pelo descendente à colação, quando do óbito do descendente vendedor.

Acaso comprovada que a venda tenha sido real, e não simulada para mascarar doação – isto é, evidenciado que o preço foi realmente pago pelo descendente, consentâneo com o valor de mercado do bem objeto da venda, ou que não tenha havido prejuízo à legítima dos demais herdeiros –, a mesma poderá ser mantida, ou seja, não deverá ser anulada.

Como se nota, se deseja vender um bem para seu filho(s) ou neto(a) e de uma forma a evitar debates no futuro, o melhor a se fazer é obter a concordância de seus demais descendentes.

Clayton Rodrigues, advogado e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina.