Pesquisa encomendada pela Anfavea aponta para um cenário em 2035, no Brasil, quando 62% dos  automóveis 0 Km serão elétricos
Pesquisa encomendada pela Anfavea aponta para um cenário em 2035, no Brasil, quando 62% dos automóveis 0 Km serão elétricos | Foto: iStock

Imaginar uma cidade onde a mobilidade acompanha a evolução da tecnologia e da consciência ambiental passa, obrigatoriamente, pela eletrificação da frota de veículos. Mobilidade elétrica faz referência à utilização de veículo com um motor alimentados por uma fonte externa de energia elétrica e podem ser puros ou híbridos, numa carreata de siglas que exigem uma atenção extra.

Além dos veículos, fazem parte do ecossistema da mobilidade elétrica toda a rede de carregadores, a infraestrutura de tráfego e o próprio fornecimento de energia. Por aqui, vivemos em duas realidades paralelas: em uma delas, o avanço das ofertas de veículos elétricos pela indústria automobilística, acionando o grande ecossistema sustentável; na via contrária, alguns entraves como a falta de infraestrutura no país, o alto custo dos veículos com cifras bem distantes das possibilidades do brasileiro médio e mais a ausência de políticas públicas de incentivo. Se a mobilidade elétrica é inevitável, como se preparar para não ficar a pé?

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De acordo com a pesquisa “O Caminho da Descarbonização do Setor Automotivo no Brasil”, encomendada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e realizado pela Boston Consulting Group, os carros elétricos e híbridos podem representar a maioria dos veículos em circulação no Brasil em 2035, quando 62% dos automóveis 0 Km serão dessa categoria. Nesse mesmo ano, o mercado europeu pretende já ter deixado para trás os motores a combustão. Isso também mostra que o Brasil está demorando a mudar a marcha no caminho da eletrificação.

Algumas iniciativas no Paraná ajudam no desenho do futuro da mobilidade elétrica como a Eletrovia, inaugurada no final de 2018, com a instalação de 12 pontos de recarga ao longo de 730 quilômetros da rodovia BR-277, que liga Paranaguá a Foz do Iguaçu. O projeto de pesquisa e desenvolvimento é uma parceria entre a Copel ( Companhia Paranaense de Energia) com a Itaipu Binacional e foi pioneiro no Brasil, oferecendo recargas gratuitas a qualquer motorista a bordo de um veículo elétrico.

De acordo com o engenheiro eletricista Zeno Nadal, do Departamento de Projetos Especiais da Copel, os números de recargas no trecho vêm aumentando ano a ano assim como a variedade de tipologia de veículos que utilizam os eletropostos. “O leque de opções da mobilidade elétrica está aumentando de uma forma significativa e pretendemos continuar com a expansão da rede por todo o Estado”, diz.

No Paraná, atualmente são cerca 600 veículos elétricos em circulação, com destaque para a entrada de utilitários. “É também uma aposta do setor de frotas”, comenta. Os custos das recargas são subsidiados com recursos do projeto. “O objetivo é o fomento e a coleta de dados que vão embasar os estudos”, completa Nadal sem prometer uma expansão para o norte do Estado, pelo menos por enquanto. “Não a curto prazo, mas já percebemos uma crescente demanda na região”, diz.

Com gasolina a R$ 7,00, custo baixo da carga de energia é bastante sedutor

Os carros elétricos são uma realidade irreversível, na opinião do professor Francisco Granziera Júnior, do Departamento de Engenharia Elétrica da UEL ( Universidade Estadual de Londrina) e isso fica claro com as marcas de alto padrão já acelerando na oferta de veículos. “As maiores montadoras mundiais já estão preparadas e os países desenvolvidos já aderiram. O grande desafio por aqui será a infraestrutura. Residências e condomínios de alto e médio padrão já adotam em seus projetos garagens com carregadores veiculares de média e alta potência. Em breve, será comum termos os mesmos carregadores em shoppings, conveniências de postos de gasolina e estacionamentos particulares”, profetiza.

O professor Francisco Granziera Júnior, da UEL, cobra mais incentivo do poder público para tornar o  carro elétrico acessível a uma parcela maior da população
O professor Francisco Granziera Júnior, da UEL, cobra mais incentivo do poder público para tornar o carro elétrico acessível a uma parcela maior da população | Foto: Gustavo Carneiro

Granziera explica que a eficiência energética é um grande diferencial dos veículos elétricos. “A conversão de gasolina em movimento possui um péssimo rendimento energético que não chega a 40%, enquanto que para converter energia elétrica em movimento, com as atuais tecnologias de motores, é possível atingir mais que 95% de eficiência”, diz. Além dessa eficiência, é preciso considerar que veículos elétricos são mais simples na sua construção, sem aquele monte de mangueiras, pistões, óleo e água nos radiadores. “O motor elétrico e as baterias são o coração do veículo e estão em plena evolução, principalmente as baterias que estão ficando mais robustas, confiáveis e adensadas a cada dia”, afirma.

Com a gasolina chegando per dos R$ 7,00/litro o custo também tem o seu poder de sedução nos veículos elétricos. Com a calculadora nas mãos, o professor faz as contas: “Se levarmos a competição para esse o campo, os combustíveis fósseis perdem feio no custo por quilômetro rodado. Por exemplo, a carga de um carro elétrico com bateria de 40 kWh custa aproximadamente R$ 43,00 considerando o valor de R$ 1,08 na bandeira de escassez, para uma autonomia média de 300 km. Um veículo de mesmo porte a gasolina, que faz 10 km/l na cidade gastará 30 litros para ter a mesma autonomia a um custo médio, hoje de quase R$ 187. Estamos falando de uma economia de 77% apenas no combustível!”, revela.

Outro ponto interessante para o bolso dos motoristas, diz Granziera, é que diversos estados da federação já isentam veículos elétricos do IPVA, valor que para um carro de R$ 200 mil pode ficar na casa dos R$ 7mil só de imposto no primeiro ano.

A eletrificação do transporte no Brasil e no mundo passa por conceitos de desenvolvimento sustentável, um esforço para combater as mudanças climáticas. Um carro elétrico contribui para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa, ajudando na descarbonização do planeta. De acordo com um estudo realizado pelo Programa de Mobilidade Elétrica da Organização das Nações Unidas, os meios de transporte representam 25% de todas as emissões de CO2 no mundo. Pena que a consciência ambiental nem sempre é a prioridade de quem já pode investir em um veículo elétrico.

“O consumidor pensa muito com o bolso, no final das contas ele quer ver seu dinheiro render mais. Para incentivar uma mudança comportamental da grande massa da população, o governo deveria dar exemplo, com incentivos fiscais”, diz o professor Granziera. “Onde estão os veículos elétricos no transporte público, na administração pública? Alguém já pegou algum táxi ou carro por aplicativo 100% elétrico? As locadoras oferecem veículos elétricos? Por que isso não está acontecendo?”, questiona.

Na UEL existem pesquisas para aumentar a vida útil e detectar o mau funcionamento de baterias para a mobilidade elétrica. Granziera participa de um projeto em conjunto com uma empresa da cidade para desenvolver um veículo elétrico autônomo para transporte de cargas em ambiente industrial. “É para o transporte de insumos em uma linha de produção industrial. Já temos alunos trabalhando, professores auxiliando e resultados práticos”, conta.

Para o professor, vivemos o pior de dois mundos. “Estamos pagando caro pelo combustível fóssil e caro pelos carros elétricos importados. Nossas montadoras estão ainda na onda dos pequenos motores turbo. Acredito que vá demorar alguns anos para que todas as montadoras no Brasil concorram no segmento de veículos elétricos populares. Quando isto ocorrer teremos realmente o início da era dos elétricos no país”, analisa Granziera.

Infraestrutura é o maior desafio para o país

A escassez de infraestrutura no País é o principal desafio da mobilidade elétrica na opinião de Sérgio Jábali, diretor de tecnologia da GolSat e executivo do Instituto PARAR (Pensando Alternativas Responsáveis Administrando Frotas com Resultado). “Há uma limitação do tempo de recarga e da autonomia do veículo elétrico. Hoje, em um posto de gasolina, para você abastecer combustível para rodar 500 km vai gastar 5 minutos. Com os elétricos, a recarga para a mesma autonomia talvez demandaria uma hora ou mais. Esse é um problema para longas distâncias e o Brasil tem dimensões continentais. Dentro das cidades, os veículos elétricos são uma ótima opção, desde que você tenha pontos de recarga na sua casa ou no estacionamento dos locais de trabalho, por exemplo. Aqui, entramos numa questão que envolve a iniciativa privada e a conta do investimento acaba pesando”, afirma.

Isso já acontece em Londrina de maneira bem incipiente, com iniciativas privadas. “Ainda estamos em um nível muito privado e acontece em alguns escritórios, que trazem essa tecnologia para os colaboradores experimentarem e sentirem um veículo elétrico. Os carros são silenciosos então, o cuidado na direção muda. A resposta do motor também é impressionante. É uma maneira diferente e vamos ter que aprender a dirigir veículos assim”, comenta.

Os veículos híbridos, continua Jábali, representam o primeiro passo para a eletrificação da frota e alguns deles já rodam pela cidade. “Esses modelos diminuem o risco com a infraestrutura de abastecimento elétrico, evitando que o motorista fique a pé no caso de longas distâncias ou até de baixa energia. Isso já ajuda a reduzir a emissão de poluentes, é um caminho para uma frota mais sustentável. Um segundo passo seria a eletrificação pura, mas isso tem a dependência total da infraestrutura dos pontos de recarga e do tempo disso, associado ainda à autonomia do veículo. E mais lá na frente, já vem outra onda: a dos carros movidos a hidrogênio. Talvez a infraestrutura para esses veículos seja mais fácil de ser instalada já que se parece com o que temos hoje”, explica.

Pensando numa frota de veículos de serviços, Jábali chama atenção para o envolvimento do poder público na eletrificação. “Em Campinas, por exemplo, a frota de caminhões para a coleta de lixo é totalmente elétrica. Isso é possível através de um fomento de entidades públicas. É um ecossistema que funciona dentro de um ambiente controlado, onde é possível prever a rota, os tempos de deslocamento, para que seja calculado o ponto de recarga e outras necessidades. Onde é possível verificar, com a análise dos custos, que valeu a pena a mudança”, afirma.

Em Londrina, existem três eletropostos, onde os proprietários de carros elétricos podem efetuar as recargas, gratuitamente. Um deles, fica no estacionamento de um shopping na Gleba Palhano e é iniciativa da Porsche, montadora alemã, que investe nesse tipo de serviço em todo o Brasil. Hoje são 130 carregadores do programa destination charging, instalados em 13 estados. De acordo com Leandro Rodrigues Sabes, responsável por comunicação e relações públicas da marca, a tendência para comercialização de veículos elétricos é muito positiva.

“Temos uma crescente oferta de produtos e infraestrutura, além de mais comunicação sobre o assunto. Esses fatores combinados levam também à maior aceitação da tecnologia por parte dos clientes”, comenta. A marca também está investindo na construção da primeira eletrovia ultrarrápida do Brasil, conectando São Paulo aos corredores já existentes no Paraná e na Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.

É da montadora alemã o carro elétrico mais vendido no Brasil no primeiro quadrimestre de 2021. E quem desembolsa quase 600 mil reais em uma unidade do Porsche Taycan leva o carregador como item de série, além de todo o suporte técnico e serviço especializado para instalação do equipamento na própria residência, sem custo adicional. “A eletrificação oferece uma série de benefícios, especialmente em um contexto de utilização diária. Tem a praticidade de carregar o carro em casa. Há também uma vantagem no custo de utilização, visto que os custos por km rodado com a energia elétrica são menores em relação à gasolina, além também dos reduzidos custos de manutenção. A preocupação com o impacto ambiental também é importante, e neste ponto o carro elétrico leva uma grande vantagem: não só temos emissão zero de CO2 e outros gases nocivos, a máquina elétrica é muito eficiente em relação a um motor à combustão”, explica Sabes.

O preço alto dos veículos elétricos se justifica pelos altos custos da pesquisa, afirma Sabes. “Grande parte das novas e avançadas tecnologias demandam altos custos de pesquisa e desenvolvimento, o que naturalmente resulta em preços elevados no primeiro momento. Com subsequentes desenvolvimentos, processos produtivos e cadeias de fornecimento ganhando eficiência, a tecnologia se torna mais acessível. Este poderá ser um caminho para a eletrificação no futuro”, analisa.

A marca oferece também veículos híbridos plug-in e o representante acredita que as características de cada mercado devem dar o tom do comportamento do consumidor. “Eles responderão de maneira diferente à eletrificação dadas as condições do seu mercado, levando em conta preços, infraestrutura e oferta de produtos”, completa.

Atualmente, pelas ruas do Brasil, roda uma frota estimada em torno dos 60 mil carros movidos a energia elétrica. Os preços dos veículos partem da casa dos R$ 150 mil e podem chegar a custar R$1 milhão, mas isso não impede que o crescimento nas vendas diminua, muito pelo contrário.

De acordo com números da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), em 2021, as vendas já aumentaram em quase 70%. Até agosto, foram 20 mil novos emplacamentos. A expectativa, sempre de acordo com a ABVE, é fechar o ano superando a marca dos 28 mil carros elétricos novos rodando pelo país.

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