A lei que criou um piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiros, aprovada pela Câmara e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) foi suspensa no domingo (4) pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A proposta fixava remuneração mínima de R$ 4.750 para enfermeiros. Técnicos em enfermagem deveriam receber 70% desse valor, e auxiliares de enfermagem e parteiros, 50%.

O piso salarial nacional da enfermagem foi suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que atendeu a pedidos de entidades ligadas ao setor.
O piso salarial nacional da enfermagem foi suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que atendeu a pedidos de entidades ligadas ao setor. | Foto: iStock

O piso foi criado após a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) pelo Congresso, no dia 13 de julho, que teve como justificativa o reconhecimento pelo trabalho desses profissionais durante a pandemia da Covid-19. A lei foi sancionada no dia 4 de agosto pelo presidente, que vetou trecho que previa reajuste automático.

O piso salarial nacional da enfermagem foi suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que atendeu a pedidos de entidades ligadas ao setor. Na decisão, o magistrado citou o risco de demissões. Barroso decidiu que a suspensão ficará mantida "até que seja esclarecido" o impacto financeiro da medida para estados e municípios e para os hospitais.

A decisão foi dada em ação apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços. O ministro afirmou que a entidade apresentou "alegações plausíveis" de possíveis "demissões em massa" com a nova lei.

COREN-PR DISCORDA

O Coren- PR (Conselho Regional de Enfermagem do Paraná) discorda da suspensão da lei do piso salarial, pois de acordo com a presidente da entidade, Rita Sandra Franz, o estudo do impacto orçamentário para a implementação do piso salarial nos serviços de saúde, públicos e privados, foi exaustivamente discutido na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, bem como ouviu todos os entes envolvidos, inclusive os representantes das instituições que ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade.

“O Sistema Cofen/Conselhos Regionais entende que a decisão de suspensão não é plausível, e atende a conveniência somente da classe empresarial, que não quer pagar valores justos aos serviços prestados pela Enfermagem.”

O comunicado informa que o Sistema Cofen/Conselhos Regionais tomará as devidas providências para reverter esta decisão junto ao Plenário do Supremo Tribunal Federal. Segundo Franz, o piso salarial da enfermagem foi uma conquista para a classe, que é o maior contingente da equipe de saúde do Brasil, e deve ser respeitado.

A presidente do Coren-PR explicou em uma entrevista anterior sobre o tema, realizada em agosto, à Folha de Londrina, que a maior prova da defasagem do salário da categoria é o número de profissionais de enfermagem com dois ou até três vínculos empregatícios simultâneos, para garantir "um pouco de dignidade e liberdade financeira para cuidar da sua família". “Só no Estado do Paraná, contamos hoje com mais de 121 mil profissionais de enfermagem. Basicamente 70% desses profissionais são mulheres, e boa parte delas é responsável pela principal renda familiar. Ver uma líder de família se desdobrando em diversos empregos é a maior prova que hoje o salário não supre com as necessidades básicas de suas famílias”, declarou Franz.

VEXAME

A superintendente do HU de Londrina, Vivian Feijó, lamentou a suspensão do piso salarial dos enfermeiros e técnicos de enfermagem. “Considero um vexame pelas autoridades esse demérito com a nossa categoria. Todos os estudos necessários foram discutidos amplamente pelos entes envolvidos antes da votação e da aprovação da lei. A enfermagem é uma categoria essencial e majoritária na equipe de saúde e não pode continuar sendo culpabilidade pela dificuldade de orçamento e financiamento. Há anos lutamos pelo piso da categoria que, ao meu ver, mesmo com a aprovação ainda é insuficiente perante a relevância dos serviços essenciais do enfermeiro e do técnico de enfermagem.” Segundo ela, os enfermeiros e técnicos de enfermagem representam mais de 60% da equipe.

“Estudamos muito, nos capacitamos e fazemos ciência e saúde com muita responsabilidade e foco no cuidar. Ficamos ao lado do doente e da família nos momentos de dor e angústia. O HU é privilegiado no seu plano de cargos, mas como enfermeira me solidarizo com o coletivo e acredito que isso deva ser corrigido.”

Feijó ressaltou que a categoria não recuou na pandemia. “Fomos combatentes e salvamos muitas vidas.Somos uma força de trabalho muito importante na equipe de saúde e devemos sim ter reconhecimento e respeito legalizado e não só nas redes sociais.” Ela reforçou que muitos precisam de dois ou três empregos para conseguir sustento familiar. “Já é sabido que essa condição imputa cansaço e tendência aos erros."

Ela sugeriu que os entes competentes atualizem projetos que auxiliam na correção dos honorários repassados pela tabela SUS, que estão desatualizados há mais de 12 anos. Sugeriu também que sejam criados programas para minorar impostos aplicados na saúde. “ Acredito que a categoria mereça minimamente um salário digno mediante as competências exercidas.”

IMPACTO

O presidente da Femipa ( Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná), Charles London, afirmou que a implantação do piso de um momento para outro em um segmento de saúde geraria um percentual de aumento muito difícil de assumir.

“O levantamento feito nacionalmente se repete em cada um dos estados, e no Paraná ocorre na mesma proporção. O aumento do piso é o item mais significativo na constituição dos custos dos hospitais e gera, no item folha de pagamento, um aumento na ordem de 60% em cima do custo da folha. Em algumas categorias o impacto seria quase o dobro, em outras menos, mas numa média nacional no mínimo de 40% até 60% sobre a folha.”, declarou.

Segundo ele, houve um rito muito acelerado no processo de aprovação do Senado, Câmara e Executivo. “Não foram feitos tantos debates como alguém pode estar entendendo. Os segmentos hospitalares não foram ouvidos. Mesmo assim, manifestamos essa preocupação durante todo o processo, apresentando esses números e nosso olhar dos riscos da implantação desse piso.”

Conforme London, a tabela do SUS não é reajustada de forma linear como um todo há 15 anos e há 20 anos não há um reajuste de forma significativa, que reponha a inflação ocorrida no período. “Acho pouco provável que houvesse aumento significativo na tabela do SUS que fizesse frente a isso de um momento para o outro.”

Segundo o presidente da Femipa, os hospitais como um todo apresentam um nível de segurança muito aceitável em relação aos profissionais que se desdobram em vários empregos. “Essa situação de trabalhar em mais de um local já acontece hoje e não impacta o risco de atendimento. Não há garantia que a implantação do piso impeça essa prática, até porque a própria lei não prevê restrição a vários empregos. Não há estudos que as pessoas vão passar a trabalhar em um só lugar. Possivelmente alguns vão continuar trabalhando em vários lugares se o piso for elevado.”

Sobre a possibilidade de lutar pela redução da tributação no segmento de serviços de saúde, ele explicou que o segmento hospitalar se divide em três categorias: públicos, privados e filantrópicos. “Os públicos têm uma forma de lidar com impostos, os privados têm uma carga tributária maior e os filantrópicos possuem cargas de isenção estabelecidas, ou seja, possui alguns encargos menores. Essas isenções existem por eles já serem filantrópicos e é uma contrapartida e é uma forma de conseguir construir toda rede de atenção à saúde com filantrópicos”, mas ressaltando que os valores de procedimentos estão defasados. “Claro que há uma possibilidade de redução, mas os filantrópicos já possuem uma carga de impostos bem reduzida.”

Acerca da possibilidade de lidar com a desmotivação dos enfermeiros após a suspensão do piso da categoria, ele explicou que a intenção de todos os administradores e donos de hospitais é manter a possibilidade de emprego. “Talvez a demissão e o risco de perda de serviço deva ser uma preocupação maior do que garantir o emprego de um e os outros dois perderem o emprego. A gente quer manter os hospitais funcionando e, mais do que isso, o atendimento à população.” Ele ressaltou que um levantamento de vários hospitais do Brasil apontou que a implantação do piso geraria uma ordem de 80 mil demissões e a redução de atendimento seria de 20 mil leitos. (Com Folhapress)

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