Curitiba - Entidades de defesa do meio ambiente e especialistas em legislação ambiental classificam como inconstitucional o projeto de lei enviado pelo governo de Ratinho Júnior (PSD) à Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) para simplificar os licenciamentos no estado. O projeto foi enviado no dia 4 e o tema será discutido em uma audiência pública nesta terça (12), a partir das 9 horas, no prédio histórico da UFPR (Universidade Federal do Paraná) em Curitiba.

Entre outros pontos, o texto limita a emissão da licença a apenas um ente federativo (União, estado ou municípios), inclusive para a supressão de mata nativa; cria uma espécie de “autolicenciamento”, por meio de declarações de inexigibilidade ou dispensa de licença ambiental; e reduz o papel do Cema (Conselho Estadual do Meio Ambiente), que tem poder deliberativo definido por lei.

Segundo o governo, a ideia é desburocratizar os processos de licenciamento, para aliar preservação às necessidades do setor produtivo.

No caso de empreendimentos com baixo risco ambiental, o próprio empresário forneceria as informações para obter a licença. Já empreendimentos com baixo impacto ou potencial reduzido de emissão de poluentes obteriam uma declaração de dispensa de licenciamento, de forma automática, pela internet.

O governo argumenta ainda que não há uma única legislação a tratar sobre o tema, o que poderia gerar insegurança jurídica a empresários interessados em investir no estado. Outro benefício seria dar condições para a universalização do saneamento básico, já que esse tipo de investimento teria prioridade na emissão de licenças, além da ampliação da malha viária e pavimentação de vias já existentes.

ILEGALIDADE

Deputados da oposição argumentaram na semana passada que o projeto é inconstitucional, mas ele foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Alep. Para a advogada e especialista em Direito Ambiental Luciana Ricci Salomoni, caso o projeto vire lei, haverá brechas para ser contestado por meio de uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

“O projeto contraria os princípios constitucionais da prevenção e da participação e democracia ambiental. Ele também contraria a legislação nacional sobre licenciamentos ambientais, que é mais abrangente e prevalece sobre a lei estadual”, diz Salomoni. “Em termos ambientais, a lei proíbe que se façam leis estaduais menos protetivas que a lei federal. E por isso ela também é ilegal. E uma análise técnica, não política.”

Outro ponto destacado por ela é a “simplificação” de fases. “Hoje há três etapas, a licença prévia, a licença de instalação e a licença por operação. A proposta cria categorias de licenciamento que são ou monofásicas ou bifásicas. O mais preocupante é que ele cria praticamente um autolicenciamento”, avalia a mestra em Meio Ambiente e Desenvolvimento. “O mundo todo está falando em mudanças climáticas. O licenciamento ambiental é um instrumento importante para mitigação e adaptação a essas mudanças”.

Na semana passada, a Rede de Ongs da Mata Atlântica (RMA) emitiu uma carta pública criticando a proposta. A RMA reúne 292 entidades de defesa do meio ambiente de 16 estados brasileiros onde o bioma é encontrado.

“Caso haja a flexibilização para o licenciamento ambiental de obras, indústrias e atividades diversas, como por exemplo a exploração imobiliária, poderá abrir precedentes para o aumento da degradação de ambientes naturais, amplificando o risco de impactos climáticos negativos, quer seja sobre a disponibilidade (volume hídrico) e qualidade dos mananciais de águas superficiais e subterrâneas, quer seja contribuindo para o aumento de riscos de desastres naturais”, diz a carta.

Para Arthur Conceição, diretor do Cedea (Centro de Estudos Defesa e Educação Ambiental), entidade que atua há 30 anos na defesa do meio ambiente e integra o Cema, o projeto é ilegal por prever que apenas um órgão fique reponsável por todas as fases. Por lei, todos os órgãos de municípios ou estados afetados podem participar do processo. “O STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que a decisão é conjunta na questão ambiental. O órgão pode fazer resoluções, o governador não pode retirar o poder do Cema. O conselho é deliberativo.”

No caso do projeto, diz Salomoni, o objetivo do governo seria o de deixar a decisão apenas a cargo do chefe do poder Executivo. “Ele reduz as atribuições do Conselho Estadual do Meio Ambiente e concentra os atos do licenciamento no chefe do poder Executivo.”

Ela lembra que a Lei Complementar Federal 140, de 2011, citada no próprio projeto enviado pelo governo, garante a participação de outros entes no processo de licenciamento. “O artigo 16 da lei fala sobre a atuação supletiva e subsidiária dos entes federativos. Isso se dá por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro. A lei possibilita isso, o projeto do governo do Paraná encerra a possibilidade.”

GOVERNO ESPERA APROVAÇÃO

A expectativa do governo do Paraná é aprovar na próxima semana o projeto de lei que simplifica os licenciamentos ambientais no estado. Enviado no último dia 4, o texto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na semana passada. A Comissão de Meio Ambiente verá votar o projeto em uma sessão extraordinária convocada para esta terça (12).

Em nota enviada na segunda (11), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável (Sedest) informou apenas que o governo considera o projeto constitucional. “O Governo do Estado entende que o projeto de lei é constitucional”, afirmou a Secretaria.

Relator do projeto na CCJ, o deputado Márcio Pacheco (PP) também avalia que o projeto é constitucional. “O projeto dispõe sobre normais gerais. As alterações propostas visam modernizar os trâmites dos processos de licenciamentos ambientais por meio de reduções de entraves burocráticos e uniformização de procedimentos administrativos, sem perder de vista os princípios e normas pertinentes à proteção ambiental”, disse Pacheco.

Segundo ele, empresários têm enfrentado dificuldades para aprovar os licenciamentos. “O projeto vem ao encontro do desejo de tantos empresários, com tantas dificuldades que há às vezes para a aprovação de um projeto de licenciamento ambiental. O projeto tem constitucionalidade e legalidade e não há impacto orçamentário”.

Deputados de oposição a Ratinho Júnior na Alep se mobilizaram contra a proposta. Por iniciativa da oposição, foi convocada uma audiência pública para debater o projeto, a partir das 9 horas desta terça, no prédio histórico da UFPR, em Curitiba.

Para o deputado Goura Nataraj (PDT), que é membro titular do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cema), a iniciativa vai na contramão da tendência mundial. “O governo está mais uma vez se pintando de verde e dizendo para o mundo que somos o estado mais sustentável do Brasil, quando na prática estamos simplificando os processos de licenciamento ambiental e agindo contra as emergências climáticas”, disse o parlamentar.