“Às vezes dá vontade de sumir, de desaparecer e nunca mais voltar”. A frase é um desabafo de Ediana Ferreira Andrade, moradora do Aparecidinha, na zona norte de Londrina, que enfrenta uma dura realidade: a fome e a falta de amparo. Vivendo com dois filhos e uma renda mensal de R$ 600, que vem do Bolsa Família, a dona de casa luta para colocar comida na mesa e garantir o mínimo para ela e para os filhos.

Essa realidade também é compartilhada com milhares de famílias londrinenses. De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Assistência Social, 58.117 pessoas não têm nenhum tipo de renda na cidade, totalizando 26.514 famílias que dependem exclusivamente de benefícios sociais para se manter. A informação foi retirada da base de dados do Cadastro Único (CadÚnico) de janeiro, que também aponta que 81.436 pessoas vivem com uma renda entre R$ 1 e R$ 651 por mês.

Jacqueline Micali, secretária municipal de Assistência Social, explica que a pasta considera como extrema pobreza apenas a população que não tem renda. Esse cálculo está em desacordo com o estipulado pelo Banco Mundial que, após atualizações dos valores em setembro do ano passado, define a extrema pobreza quando a renda per capita de uma família é de até US$ 2,15 por dia; em reais, seria em torno de R$ 10,90 diários. No mês, isso representa uma renda per capita de R$ 327.

Na prática, o município tem um número muito maior de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza, que não têm acesso a itens básicos para uma vida digna, como alimentação, higiene e uma moradia digna. Na cidade, são 28.563 pessoas vivendo com uma renda entre R$ 1 e R$ 210 para cada membro da família por mês; outras 52.873 pessoas têm entre R$ 211 e R$ 651 per capita para passar o mês e custear todas as despesas.

Dividindo o arroz com os ratos

Ediana Ferreira Andrade conta que durante a chuva que atingiu a cidade no domingo (12), ela achou que a casa de dois cômodos pequenos e com teto improvisado iria desmoronar. “Eu achei que a gente ia perder o barraco, aqui é tudo no chão e, quando chove, entra muita água”, conta. O colchão que o filho mais velho dorme ela conseguiu salvar, já o pequeno sofá do mais novo foi perdido.

Vivendo com o valor do auxílio, ela conta que quando o filho mais novo nasceu, ele teve um problema no ouvido que causava sangramentos. “O Conselho [Tutelar] falou que se eu não parasse de trabalhar para ficar com ele, eles iam tirar o meu filho de mim, então eu sai da reciclagem”, relembra. Ela ressalta que não recebeu nenhum auxílio do município.

Ediana ressalta que o único alimento que tem no armário de casa é um saco de arroz, que foi roído por ratos: “mas a gente precisa continuar comendo dele”. Ela destaca que quando a situação aperta, vai até o Cras (Centro de Referência em Assistência Social) pedir, mas conta que é bem difícil sair de lá com alguma doação. “Então eu saio pedindo um arroz aqui, um feijão ali, se eu acho alguma coisa no lixo eu também trago para casa. É assim a nossa vida”, lamenta.

Vivendo no Aparecidinha, ela conta que a região é abandonada pela Prefeitura. “Eles só vêm aqui quando precisam de voto. Isso nunca vai mudar. É um lugar esquecido por todos”, afirma. A pobreza de Ediana tirou dela qualquer ânimo e perspectiva de vida. A mulher que aparenta apenas vinte poucos anos - ela não sabe qual sua idade exata porque foi registrada depois de crescida - desabafa melancolicamente: “Vivo com uma vontade constante de desaparecer e nunca mais voltar para a realidade”.

Em uma casa improvisada um pouco mais para cima, Irenize de Mello, de 54 anos, afirma que ela, o marido e a cunhada enfrentam a falta de comida. Os três vivem com um salário mínimo que a cunhada recebe por conta de um problema de saúde e o marido faz bicos como pedreiro. “Mas quando chove ele não ganha nada, já que não é registrado”, explica.

Segundo ela, o auxílio da cunhada é o que vem segurando as pontas da família, mas agradece quando recebe uma doação. “Tem uma mulher que sempre me dá leite e eu sempre faço orações agradecendo a ela por isso”, conta. Priorizando o básico, eles só compram uma ‘mistura’ quando o dinheiro permite. “A carne de porco era R$ 8 ou R$ 9, agora passa de R$ 15”, exemplifica.

Em 2021, ela relembra que recebeu o cartão Comida Boa, mas no ano seguinte o Governo do Estado cortou o benefício sem aviso prévio, segundo ela. “Já fui lá [no Cras] e eles falaram que era para eu esperar uns 15 dias que iam depositar um bônus, mas até agora nada”, afirma. “Falta muito da Prefeitura aqui. Olhar mais, ajudar mais. Tem muita gente aqui da mesma forma ou ainda pior”, finaliza.

Irenize de Mello
Irenize de Mello | Foto: Gustavo Carneiro

Prefeitura

Jacqueline Micali, secretária de Assistência Social de Londrina, alega que o Brasil vem passando por uma recessão desde 2015, que se agravou com a pandemia, ressaltando que não é possível isolar o município do resto do estado e do país. “Nós temos que separar o que é de renda mínima, por exemplo, que daí é um programa de um Governo Federal para um país, de ações que são de responsabilidade da união, do estado e do município para enfrentar esse problema”, afirma.

Ela ressalta que não é só a Assistência que vai retirar as famílias da extrema pobreza, já que as famílias precisam de habitação, educação, saúde e geração de emprego. Segundo a secretária, de 2019 para cá, eles ampliaram o número de famílias atendidas e o valor dos benefícios repassados, além de mudarem da cesta básica para o cartão alimentação. Ela também cita outras ações de apoio e assistencialismo para as famílias em situação de vulnerabilidade social que foram desenvolvidas no período. Apesar dos mais de 40 projetos e programas que a secretária citou em entrevista, os benefícios não estão chegando a todas as famílias, como no caso de Ediana e Irenize, que vivem em região periférica em uma das bordas de Londrina.

Micali também destaca que o município auxilia com R$ 250 mensais cerca de 3.400 famílias, valor que completa a renda de quem já recebe o Bolsa Família ou auxilia as famílias que não recebem; duas mil famílias também recebem um vale alimentação no valor de R$ 182. “O intuito maior é acompanhar as famílias para que elas consigam superar essa situação e não só repassar o benefício, que não muda a vida da pessoa. Queremos dar proteção à criança e aos responsáveis para que o ciclo de vulnerabilidade se rompa”, ressalta Jacqueline Micali. Ela esclarece que não há previsão de novas ampliações nos benefícios ofertados, tanto no valor quanto no número de famílias, já que isso foi feito nos últimos dois anos.

LEIA TAMBÉM:

+ Brasil tem 32 milhões de crianças e adolescentes na pobreza, diz Unicef

+ Campanha da Fraternidade busca reflexão e ações contra a fome

+ Litígio Zero oferece descontos em renegociação de dívidas com a União