O programa londrinense "Corre em Família" ganhou o primeiro lugar na categoria Juiz, durante o 2º Prêmio Prioridade Absoluta, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A entrega do prêmio será em Brasília, no dia 31. A ideia do programa veio de Elen Luz, do Conselho Tutelar de Londrina, que procurou a magistrada Cláudia Catafesta, da Vara de Adolescentes em Conflito com a Lei da Comarca de Londrina, para repensar as formas de atendimento às crianças e jovens em conflito com a lei e como as famílias poderiam lidar com essa situação.

Galhardi, Cláudia Catafesta e Elen Luz deram o pontapé inicial ao projeto
Galhardi, Cláudia Catafesta e Elen Luz deram o pontapé inicial ao projeto | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

Os serviços da Rede de Proteção Social à Criança e ao Adolescente de Londrina existem há tempos, mas a articulação e atuação integrada nem sempre fez parte dessa realidade. “Durante a pandemia, as famílias procuravam o Conselho Tutelar para pedir apoio, mas essas demandas não chegavam até o judiciário”, observou Catafesta. O projeto foi uma forma para dar um novo sentido para a atuação do Conselho e para a Rede de Proteção, para evitar a judicialização das questões que podem ser resolvidas por meio de trabalho articulado em rede.

De acordo com Catafesta, todas as cidades têm equipamentos públicos de Proteção Social à Criança e ao Adolescente. “Os ingredientes sempre existiram. Às vezes, umas cidades têm equipamentos melhores, outras têm menos, mas Polícia Militar, Poder Judiciário, Conselho Tutelar e Secretaria de Educação, vai ter em todo lugar. No entanto, quando o trabalho é desarticulado, nem sempre o trabalho é eficaz. É como se fossem ingredientes de um bolo e faltava algo para juntar tudo isso. A gente tem traduzido o 'Corre em Família' como a batedeira de todos esses ingredientes.”

Por este motivo, ela ressaltou que o programa não precisa de verba pública. “Esses serviços, em sua maioria, já são públicos, com apoiadores privados da sociedade civil, para fazer o trabalho de uma forma mais eficaz e para o cidadão.”

O programa é feito por pessoas de diversas instituições e o relacionamento mais próximo entre todos elimina os contatos por ofício e muita burocracia. Catafesta conheceu o gestor da organização da sociedade civil Londrina Pazeando e diretor do Compaz (Conselho Municipal da Cultura de Paz), Luiz Cláudio Galhardi, em um evento em frente ao Fórum e ele costurou a rede de relacionamentos pela proximidade com diversas autoridades. Foi ele quem apresentou Catafesta à conselheira tutelar Elen Luz e, juntos, deram início a todo o processo.

“A Elen assumiu recentemente o cargo de conselheira tutelar e já vem de uma atuação ligada ao judiciário. A gente tem orientado, capacitado e permitido que as pessoas conheçam outras ferramentas, como a mediação, a conciliação, as práticas restaurativas e o diálogo. Eu acho que isso é fio condutor de todo esse movimento”, declarou a magistrada.

ACRÔNIMO

Foi de Luz a ideia de criar o acrônimo Corre para ressignificar a palavra para companheirismo, respeito, ressignificação e empatia. Ela explicou que entre os adolescentes que atende, a palavra sempre estava relacionada ao tráfico de drogas. Ao criar o acrônimo para o projeto, Luz viu a possibilidade de ressignificar essa expressão e envolver as famílias.

A rede de facilitadores possui hoje 250 integrantes. Luz explicou que uma das bandeiras do grupo é tornar esses alertas dos integrantes do "Corre em Família" em um grupo de comunicação por WhatsApp em política pública, algo que já vem sendo chamado informalmente de boletim social, em alusão ao boletim de ocorrência. Segundo Luz, hoje há uma lacuna de atendimento ao adolescente até que ele chegue no Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Na prática, quando uma viatura da PM aborda adolescentes fora da escola em situação de vulnerabilidade, encaminha a situação para o fluxo da rede do "Corre em Família", que vai verificar se esse adolescente está fora da escola, e se vai encaminhar para um serviço.

"Quando esse adolescente estiver em uma situação infracional, não tem mais jeito, a Polícia Militar deve levá-lo para o delegado, ele tem que ir para o promotor até ser julgado.” Antes que tudo isso ocorra, se o boletim social indicar que há um adolescente em situação de risco, ele é atendido por um serviço de proteção, ou seja, o projeto se antecipa aos conflitos e procura se envolver com as questões sociais para poder fomentar a cultura de paz e resolução alternativa e mais pacífica."

O major Marcos Tordoro, comandante do 30º Batalhão da Polícia Militar, reforçou que o boletim social é uma abordagem policial e que, se for constatado que criança ou adolescente em situação de vulnerabilidade, com base nesse relato encaminha-se a situação para um fluxo que foi montado pelo "Corre em Família". A PM funcionou como um elo para unir o grupo, já que muitas reuniões se davam no quartel do 30º BPM e várias ações in loco ocorreram com apoio logístico da PM.

“Conhecer o outro pessoalmente e não por ofício tornou todos mais próximos. Um conheceu o outro melhor e pôde identificar as potencialidades de cada um. São vários ‘corres’ de cada um e um sempre está ajudando o outro.”

Tordoro ressaltou que o projeto vai ao encontro da política de aproximação com a comunidade pela PM, tema de seu mais recente livro “Policiamento de Proximidade”. Ele ressaltou que a PM sempre esteve próxima da população, mas tem investido ainda mais nisso e o "Corre em Família" tem proporcionado uma rede de relacionamentos que tem gerado bons frutos. “Isso dá uma demonstração importante de organização e, quando isso ocorre, demonstra força”, apontou.

ESCUTA ATIVA

O quadro de professoras mediadoras da rede municipal é formado por 20 professoras e uma assistente social. Elas se dividem em 12 redes intersetoriais da área urbana e rural de Londrina, conduzindo círculos de diálogo com as famílias, com as crianças e com os adolescentes autores de atos infracionais ou que passaram por medidas socioeducativas.

Segundo a coordenadora de Mediação e Ação Intersetorial da SME (Secretaria Municipal de Educação), Martinha Clarete Dutra, a escuta ativa das famílias é uma estratégia importante de fortalecimento de vínculos, unida ao processo de aprendizagem, pois é o momento em que as crianças, os adolescentes e seus familiares trazem as dificuldades enfrentadas, seus interesses e preocupações.

Já os profissionais da Educação escutam e apoiam, podendo, por exemplo, propor oficinas em rede que venham ao encontro das necessidades das famílias. Dutra expôs que, em 2021, foram acompanhadas 6.204 crianças e, neste ano, no período de fevereiro a julho de 2022 foram acompanhadas 5.282 crianças.

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Luís Cláudio Galhardi explicou que a SME fez o programa VIDA (Valores, inclusão, desenvolvimento humano e afetividade), que traduz a ideia da educação para a cultura de paz. “É um programa para envolver todos os 6 mil professores e os 43 mil alunos. Então é um ciclo de construção de paz feito com as crianças de todas as idades, com os pais, com os professores.” Isso foi incluído no projeto pedagógico por uma hora por semana na grade de aulas, trabalhando alguns valores que norteiam a educação para a paz.

Para execução das ações do "Corre em Família", diferentes atores do Sistema de Garantia de Direitos e Vara da Infância e Juventude de Londrina se uniram para fortalecer a rede de atendimento: Vara de Adolescentes em Conflito com a Lei; Vara da Infância e Juventude; Conselho Tutelar; Secretaria Municipal de Educação; Ministério Público; Defensoria Pública; Polícia Militar; Conselho Municipal de Cultura de Paz; Londrina Pazeando e rede intersetorial de proteção à criança e o adolescente. Além dos Círculos de Diálogo, também há atividades voltadas para os adolescentes como dança, grafite e capoeira.

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