Vanilda Pereira, professora de Educação Física: 'o pessoal não faz ideia do que é dar aula remota'
Vanilda Pereira, professora de Educação Física: 'o pessoal não faz ideia do que é dar aula remota' | Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo com as aulas presenciais suspensas nas redes municipal e estadual no Paraná e com restrições na rede particular, os professores se desdobram para manter a saúde e ensinar ao mesmo tempo. Depois de mais de um ano de pandemia, os docentes relatam sobrecarga de trabalho, dificuldades de dar aulas fora do ambiente da escola, além, é claro, do medo da doença.

Ensinar Educação Física on-line é algo difícil de se imaginar, mas é o que a faz todos os dias. Professora da rede estadual de educação, ela fala do desafio que é manter os alunos aprendendo em sistema remoto.

"É muito cansativo. O pessoal não faz ideia do que é dar aula remota. É muita pressão para a gente cumprir o cronograma certinho, os horários. Fico na frente do computador desde as 7 horas da manhã e saio só às 17h45, e nem sempre os professores têm uma cadeira confortável. Você está na frente do notebook o tempo inteiro, então tem a claridade da tela, tendo que lidar com todas as ferramentas e interagir com o aluno."

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VITOR OGAWA - GRUPO FOLHA

A rotina do professor de Geografia do Estado, Marcos Vinicios Kloster, também mudou muito com as aulas remotas, pois agora além de dar aulas no horário normal, é preciso preparar e corrigir atividades impressas para aqueles que não têm acesso à internet. E ainda atender às mensagens dos alunos, que chegam às vezes fora do horário de trabalho.

Sem contar que, sem conseguir olhar os alunos nos olhos, fica difícil saber se eles estão mesmo entendendo as explicações. "Na sala de aula, se explico um conteúdo novo, pela expressão do rosto sei se estão entendendo ou não. Nas aulas remotas, na frente do computador, não tenho como avaliar."

Embora a orientação seja assistir às aulas com a câmera aberta, nem sempre o pedido é atendido pelos estudantes, queixa-se Vanilda Pereira. Para Kloster, o professor fica em uma posição desconfortável ao ter de pedir para o aluno abrir sua câmera nas aulas. "Será que tenho o direito de entrar na intimidade da casa do aluno? É complicado você invadir."

Com a câmera desligada, os professores sequer têm certeza que os alunos estão do outro lado da tela. "Nem sei se o aluno está lá ou se logou e foi fazer outra coisa", aponta o professor de Geografia.

Marcos Kloster, professor de Geografia: 'aquela forma de avaliar, esqueça. Não é possível, é uma adaptação'
Marcos Kloster, professor de Geografia: 'aquela forma de avaliar, esqueça. Não é possível, é uma adaptação' | Foto: Arquivo Pessoal

Avaliar o aluno no ambiente on-line também é desafiador. Impossível saber se o aluno, durante uma avaliação, consultou algum material na internet ou os amigos no grupo do WhatsApp. "Nesse sistema tem que ser mais tranquilo em relação a essas coisas. Aquela forma de avaliar, esqueça. Não é possível, é uma adaptação", comenta Kloster

Há ainda os obstáculos tecnológicos, tanto do lado de cá quanto de lá da tela. "Os alunos não têm condições financeiras de ter uma tecnologia boa do outro lado, seja via celular ou notebook", conta a professora Vanilda Pereira. "O mais agravante é a internet, porque a internet tem que estar 100%. A orientação do governo é ir correndo para a escola, mas não tem muita lógica."

CONTAMINAÇÃO

Uma professora da rede municipal de Cambé que não quis se identificar falou à FOLHA das incertezas de ter que ir à escola - mesmo sem alunos, uma ou duas vezes por semana - com receio de se contaminar.

Ela contraiu a doença recentemente, e antes de manifestar os sintomas próprios da infecção pelo novo coronavírus, foi trabalhar normalmente sem saber que estava infectada. "Eu estava sentindo alguns sintomas em uma segunda, mas achei que era dengue. Fui para a escola na quinta e na sexta, na volta do Carnaval, e na sexta perdi o olfato e o paladar."

A diretora da escola então comunicou as professoras que ficaram próximas para não irem à escola na próxima semana e Ana (nome fictício) ficou quinze dias em quarentena. "A escola é um ambiente incontrolável. Você acaba ficando um perto do outro, não tem como higienizar o material de trabalho porque é papel, e as pessoas ficam aglomerando em um grupinho aqui, outro ali. Risco sempre tem, mas ficamos reféns do sistema", ela pontua.

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Riscos aos professores e à comunidade

Pelo menos uma vez por dia, o sindicato que representa os professores da rede estadual de ensino recebe uma reclamação de professores de Londrina e outros 17 municípios de convocações irregulares nas escolas, afirma Rogério Nunes, secretário de Assuntos Jurídicos do Núcleo Sindical Londrina da APP-Sindicato. "A posição da APP é que a convocação de professores e funcionários é ilegal e além disso expõe de forma desnecessária ao risco funcionários e professores na pandemia."

Segundo ele, no final de fevereiro e início de março, só em Londrina, chegaram ao conhecimento do Núcleo Sindical casos registrados e suspeitos de Covid-19 em uma a cada quatro escolas do município. "Essas convocações têm produzido contaminações e colocado em risco os trabalhadores da educação e a comunidade." Nos casos em que professores têm problemas com tecnologia, a APP-Sindicato orienta que as escolas forneçam os equipamentos para uso em casa.

Mesmo que as escolas particulares estejam autorizadas a receber alunos limitadas à proporção de 30%, a orientação do Sinpro (Sindicato dos Profissionais das Escolas Particulares de Londrina e Norte do Paraná) também é que professores com comorbidades ou que podem ministrar aulas de forma remota fiquem em casa. "Atividades que podem ser feitas em casa, têm que ser feitas em casa", orientou André Cunha, presidente do sindicato.

Os riscos envolvem também familiares de alunos, que caso positivados podem contaminar os professores por meio dos alunos. "Crianças cujas famílias foram positivadas devem ficar dez dias sem ir à escola e voltam só com teste negativo."

"As escolas estão funcionando tranquilamente com todos os cuidados, os colaboradores estão sendo atendidos em todos os detalhes, não só com relação à segurança e aos protocolos, mas também com relação às necessidades pessoais de cada um", diz o presidente do Sinepe (Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Norte do Paraná), Alderi Ferrarese. "Grupo de risco, por exemplo, não vem, apesar de que poderia vir. Mas estamos tentando conciliar todos os detalhes possíveis e imagináveis para que os colaboradores se sintam bem, seguros no trabalho que eles estão fazendo", ele continua.

Segundo Ferraresi, ao menor sintoma, professores e famílias são orientados a realizar o isolamento. "Escola, família, colaboradores e professores estão todos jogando no mesmo time. Eles estão entendendo que o momento é difícil e que precisa colaborar, e estamos sendo prontamente atendidos."

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'INFRAESTRUTURA MELHOR'

Na rede estadual de ensino, o diretor de Educação da Seed (Secretaria da Educação e do Esporte), Roni Miranda, explica que a resolução 1.111/21 da secretaria diz que as aulas devem ser realizadas preferencialmente nas escolas, mas a decisão cabe aos estabelecimentos e aos próprios professores. "Se ele puder fazer da escola, melhor. Lá tem infraestrutura melhor, apoio da equipe pedagógica, diretor. Mas ele toma a decisão que achar melhor. Se achar que tem condições de fazer o trabalho de sua casa, também está ótimo."

De acordo com Miranda, a Seed tem apoiado os professores desde o o início da pandemia com formação continuada e entrega de material. "Hoje a gente está com quase 20 mil professores participando do programa de formação que é o uso das tecnologias na educação, no ensino remoto. Estamos mandando roteiro das aulas, material, desde as apresentações de PowerPoint até os exercícios aos estudantes."

Nos grupos de estudo, a secretaria diz que também tem feito o acolhimento dos professores para que eles possam se manifestar. O foco da Seed, porém, está sempre no aluno, pondera o diretor. "Porque quanto mais a gente não assiste esse estudante, a chance dele deixar de estudar e abandonar a escola é muito grande. E aqui não estou entrando nem no quesito da defasagem da aprendizagem."

Além de aulas, auxílio na vacinação

Apesar do choque inicial, com o tempo, os professores da rede municipal de ensino se adaptaram ao sistema de trabalho remoto, conta o presidente do Sindserv Londrina (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Londrina), Marcelo Urbaneja. Porém, com a pandemia, as escolas também viraram espaços para acolhimento de outros tipos de demandas do município, que vão além daquelas de costume. "Precisa distribuir cesta de alimentos, a escola faz, precisa fazer ficha de vacina, a escola faz. Tudo se chama a escola para fazer."

Com o início da vacinação contra a Covid-19, a secretária municipal de Educação, Maria Tereza de Moraes, destacou a importância das escolas municipais e CMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil) no auxílio à população para o cadastro e o agendamento da vacina. "A gente sabe que boa parte das pessoas não tem internet ou não sabe acessar ou fazer cadastro." Segundo ela, o trabalho tem sido realizado com cuidado. "Mesmo quando anunciou a vacina acima de 70 anos não tivemos grande procura porque temos mais de 120 espaços na cidade fazendo o cadastro."

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Neste momento delicado, Moraes diz que os professores da rede municipal estão sendo acompanhados "de perto" com formações, reuniões e pesquisas. "Fizemos no começo do ano uma pesquisa para entender como os professores estavam com as atividades remotas, com a perspectiva do começo do ano. Temos feito várias lives de formação, mas também de assuntos da alma. Temos respeitado o momento de ouvir, entender o que os professores querem e como podemos apoiá-los nesse momento."

Conciliar o teletrabalho e os afazeres domésticos tem sido uma grande angústia dos professores, já que a maioria são mulheres com filhos pequenos, conta a secretária. "Tivemos que descobrir como agir, como ajudar os professores nessa organização."

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