Uma aluna de 17 anos de uma escola estadual da zona norte de Londrina, que tem deficiência auditiva, participava de uma aula de ensino a distância, mas teve dificuldades de compreensão da matéria ministrada na disciplina de Física. Ela enviou a seguinte mensagem ao professor: "Tentei entrar em contato com você no dia 5 de abril via (Google) Classroom e não obtive respostas desde então. Tenho alguns exercícios de eletrostática pendentes e não estou conseguindo entender a matéria. Não sei se já chegaram a mencionar para o senhor, mas eu sou surda. Tenho perda auditiva de respectivamente 50% em um ouvido e 90% no outro. Poderia me explicar como eu posso realizar os exercícios?" No entanto, a reposta que ela recebeu foi uma mensagem de áudio do professor.

Aluna surda de Londrina pede explicação sobre conteúdo ministrado ao professor e a recebe por áudio
Aluna surda de Londrina pede explicação sobre conteúdo ministrado ao professor e a recebe por áudio | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Ela compartilhou uma reprodução dessa mensagem ao youtuber Guilherme Fernandes, que também é surdo, e ele a republicou em sua rede social. A publicação viralizou. Quando a reportagem acessou ela já possuía mais de 166 mil curtidas. " É comum eu passar por situações capacitistas (discriminações por motivo da condição de deficiência). É algo que tenho que lidar diariamente. Sempre que inicia um ano letivo, eu tenho que conversar com os professores sobre minha deficiência (algo que os coordenadores já deveriam fazer antes, para deixar os professores cientes e mudarem seus métodos de ensino). Mesmo explicando parece que logo eles esquecem, então passam vídeos sem legendas, coisas assim me atrapalham muito", declarou. Ela não recebeu uma resposta do professor às suas dúvidas até agora, mas felizmente uma estudante de física viu o tuíte e se disponibilizou a ajudar. "Quanto ao professor, não recebi pedidos de desculpas. Eu reafirmei que sou surda e ele disse que ia ver o que podia fazer.", declarou.

"Se fosse para eu definir em uma palavra o meu sentimento, eu diria impotente. Não costumo receber acesso ou acessibilidade nem presencialmente, muito menos por ensino a distância", declarou. "Já aconteceu muitas vezes do professor apresentar um vídeo sem legendas e passar um trabalho em cima disso, mesmo eles sabendo que sou surda, que há um pessoa com deficiência na sala", expôs.

"Eu não esperava que o tuíte fosse ter tanta repercussão. Isso é importante, assim mais pessoas de fora da bolha podem enxergar a realidade em que vivemos. Vendo os comentários é possível ver relatos de outras pessoas que também possuem alguma deficiência, isso só mostra como não temos acesso a acessibilidade no país", constatou. Aqueles que a veem pela primeira vez nunca imaginam que ela possui uma deficiência. "As pessoas acham que surdos são apenas aqueles que não ouvem nada, há surdos que ouvem, mas que têm uma perda auditiva. Quando entrei no colégio apenas perguntaram se eu precisava de um professor especializado, como não me comunico por Libras (Língua Brasileira de Sinais) então não aceitei", explicou.

Ela apontou que não participa das aulas por vídeo chamadas, porque nem tem como participar. "É como assistir um filme sem legenda. Possui chat para poder mandar mensagens por escrito também, mas o foco da plataforma é a chamada de vídeo", destacou. A plataforma é mais focada em áudio do que na parte visual, então o chat possui poucas funções", criticou.

O youtuber Guilherme Fernandes disse que sentiu uma mistura de tristeza com revolta quando recebeu a imagem da conversa. "Pedi autorização para postar na internet na mesma hora. Eu acredito muito que nessa pandemia o ensino tenha piorado porque normalmente pessoas com deficiência auditiva têm mais dificuldades em entender vozes eletrônicas do que presenciais", declarou.

"Assim que postei o print na internet, houve uma mistura de reações. Algumas pessoas ficaram revoltadas, outras riram e falaram que fariam o mesmo que o professor, sem querer também. Podemos perceber o quanto a população é acostumada às pessoas sem deficiência, mesmo tendo mais de 10 milhões de deficientes auditivos somente no Brasil. Precisamos quebrar essa invisibilidade que temos", declarou.

De acordo com Fernandes, infelizmente há muito preconceito não só com deficientes auditivos, mas com outras deficiências também. "Acredito que ainda vai demorar séculos para termos um mínimo de respeito e, consequentemente, inclusão."

Ele afirma que a Libras é bem desvalorizada. "Acredito que seria ótimo o ensino obrigatório nas escolas, até para surdos que não sabem Libras. O benefício virá tanto para ouvintes quanto para surdos." Relatou que já teve gente perguntando como ele sabia ler, já que é surdo. "A desinformação é muita. O meu canal é justamente para as pessoas verem que surdos também têm uma rotina tão costumeira quanto o telespectador: moramos sozinhos, fazemos aula, dirigimos, fazemos compra do mês... E, claro, no meio desses dias, algum assunto explicando mais sobre minha surdez", disse. Às vezes ele recebe alguns comentários em que as pessoas dizem não fazer ideia que ele é surdo.

A reportagem da Folha entrou em contato com a Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte), mas até o fechamento não obteve resposta.

Aluna surda de Londrina pede explicação sobre conteúdo ministrado ao professor e a recebe por áudio
Aluna surda de Londrina pede explicação sobre conteúdo ministrado ao professor e a recebe por áudio | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal