Imagem ilustrativa da imagem PR gasta 145% a mais com medicamentos por judicialização
| Foto: Ricardo Chicarelli

Erika Araújo conseguiu na Justiça remédio para tratar o filho Erick, que sofre de psoríase: “Doía tudo, agora não dói mais”


Quanto vale uma vida? Diante da desorganização do acesso à saúde no Brasil e da falta de recursos para atender a população em geral, milhares de pacientes têm procurado os tribunais para garantir o direito já previsto na Constituição. Estados, municípios e a própria União se tornaram alvos frequentes da judicialização e enfrentam o desafio de equilibrar as contas públicas para manter e investir em estruturas básicas de atendimento e ainda cumprir o que determinam os tribunais.


No Paraná, entre 2013 e 2018, a Sesa (Secretaria de Estado da Saúde) destinou R$ 866 milhões para a compra de medicamentos solicitados na Justiça. Durante o período houve crescimento aproximado de 145% nos gastos. Em 2013, o montante repassado para este fim foi de R$ 85 milhões. O valor saltou para cerca de R$ 208 milhões em 2018 e beneficiou pouco mais de 5,4 mil pacientes no Paraná, boa parte deles submetida a tratamentos contra o câncer ou doenças raras.

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- Qualificação é prioridade para reduzir ações judiciais


Segundo a chefe do Departamento de Assistência Farmacêutica da Sesa, Deise Pontarolli, o Estado prioriza a reposição de medicamentos já previstos na lista SUS (Sistema Único de Saúde) enquanto cumpre as decisões judiciais. “Os gastos com as decisões têm sido crescentes. Isso é bastante impactante do ponto de vista orçamentário. Ao mesmo tempo, a gente entende que são pacientes que demandaram por tecnologias que, por vezes, não estão disponíveis no SUS ou que, por vezes, há alternativa terapêutica no sistema que não foi utilizada. Aqui a gente não está tratando de política pública, está tratando de um único paciente ou de um grupo pequeno. Do ponto de vista de logística e de compra, você acaba não tendo um volume suficiente que possa trazer um custo menor nessa aquisição”, ressalta.


Pontarolli destaca que a falta de responsabilização dos municípios e da União também onera os cofres do Estado. “Dos R$ 207,8 milhões gastos em 2018, por exemplo, 42% dizem respeito a medicamentos oncológicos cuja responsabilidade de financiamento não é dos Estados, é da União. Isso também causa uma distorção ao Paraná. Ao todo, 83% das ações vieram da Justiça Estadual e só 17% vieram da Justiça Federal. Quando o Estado é acionado sozinho, não há a possibilidade de cobrar da União parte desse recurso. Isso também acaba sendo uma estratégia até de quem entra com a ação, já que o Paraná costuma cumprir as decisões mais rapidamente”, avalia.



'DOÍA TUDO'
Se por um lado essa quantia deixou de ser investida em recursos para a população em geral, por outro contribuiu para melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas. No final de fevereiro deste ano, o TJPR (Tribunal de Justiça do Paraná) contabilizou 10.293 processos em andamento relacionados ao setor da saúde. Um deles continha laudos, pareceres técnicos e relatos registrados durante sete anos da doença diagnosticada no menino Erick Pyetro de Araújo, hoje com 8 anos.


Uma mancha avermelhada na pele no bebê chamou a atenção da mãe Erika Aparecida de Araújo. Outras manchas logo surgiram e se espalharam pelo corpo. Sem plano de saúde, ela buscou consultórios particulares, mas não teve sucesso nos tratamentos. Já sem recursos, ela foi até a unidade básica de saúde e o paciente foi encaminhado ao Ambulatório de Especialidades do HU. “O diagnóstico foi rápido. Foi constatado grau 3 de psoríase, que é o jeito mais grave da doença. Fizeram vários exames e testes com os remédios, mas nenhum deu resultado. Passava creme, loção, todo tipo de sabonete, até banha de carneiro eu usei”, conta a mãe.


As lesões avermelhadas se agravaram e a pele ressecada com rachaduras também tinha episódios frequentes de sangramento. Sem conseguir abrir as mãos, Erick foi perdendo a mobilidade e passou a se arrastar dentro de casa. “Meu filho não corria, não brincava, chamavam ele de sarnento na escola. Para sair, eu carregava no colo e a gente ia de ônibus nas consultas”, recorda emocionada.


Na busca pelo tratamento para filho, Araújo contou com uma rede de apoio que envolveu profissionais do posto de saúde, assistentes sociais, professores do município, profissionais da UEL e o Ministério Público. A solução veio há seis meses com algumas aplicações do medicamento Etanercepte, não disponível no SUS. Cada ampola custa R$ 8 mil e é necessária uma unidade por semana. Conforme ela, a Justiça negou três vezes o pedido para o fornecimento gratuito. A autorização só veio no final de março.


A doença não tem cura, apenas tratamento contínuo. A Justiça também autorizou o fornecimento de Acitretina, medicação complementar. “Doía tudo, agora não dói mais”, simplificou o menino enquanto andava de bicicleta em volta da mãe. Ao recuperar a mobilidade, o primeiro pedido dele foi por uma bola de basquete.


Mesmo com o fornecimento dos remédios, a mãe enfrenta outros desafios. Em razão do alto custo da ampola, ela conta com a ajuda de outras pessoas para armazenar o medicamento, já que uma queda de energia poderia ocasionar a perda do produto. “E a cada três meses vou ter que correr atrás das receitas, carimbos, prontuários para fazer um novo pedido para eles continuarem dando o remédio”, explica.


MINISTÉRIO DA SAÚDE ATENDE 15 MIL AÇÕES

Estudo elaborado pelo Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), contratado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), apontou aumento de 130% no número de processos em primeira instância no Brasil referentes a questões ligadas à saúde. O crescimento foi registrado entre 2008 e 2017 considerando dados repassados por 17 tribunais e que também incluem ações protocoladas contra planos de saúde.


Em nota, o Ministério da Saúde informou que foram gastos R$ 7 bilhões para o cumprimento de demandas judiciais entre 2008 e 2018. O valor representa crescimento de 1.711% em 11 anos. Entre janeiro e fevereiro deste ano, o governo federal gastou R$ 17,4 milhões. “Entre 2002 e 2018 foram cadastradas 20.183 ações judiciais, no Ministério da Saúde. No momento, a pasta atende cerca de 15 mil ações judiciais vindas de todo o País. Entre elas estão sentenças que determinam que a União adquira desde medicamentos e insumos até mesmo itens como álcool em gel, óleo de girassol, protetor solar e xampu anticaspa. As principais demandas são relacionadas a medicamentos, sobretudo para doenças raras, que representam mais de 90% do total gasto para atender as ações judiciais”, diz a nota.


Aos poucos, novos medicamentos são incorporados à lista do SUS. O MS destacou ainda que estabeleceu parceria com o CNJ para auxiliar a qualificação do judiciário na análise dos processos. A assessoria não se pronunciou sobre os custos de medicamentos oncológicos bancados pelo governo do Paraná e que seriam de responsabilidade da União.