A auxiliar de enfermagem Jennifer Evangelista, 22, demorou para acreditar que o julgamento do acusado de ter causado a morte do irmão dela, Matheus, 18, em 2018, estava realmente acontecendo. Depois de ter sido adiado três vezes, a sensação era de que o julgamento no Tribunal do Júri seria novamente reagendado na véspera, ou, ao menos, suspenso por algum recurso da defesa do réu. “Para nós da família foi um alívio saber que a justiça, de uma certa forma, foi feita", confessou a jovem, que tinha apenas 19 anos quando o irmão foi morto com um tiro no pescoço, em uma abordagem da Guarda Municipal. Apontado como o responsável pelo disparo fatal, o ex-GM Fernando Ferreira das Neves foi condenado por homicídio qualificado, fraude processual e falsidade ideológica após quase 13 horas de julgamento, ao longo de toda esta terça-feira (3). A pena estipulada foi de mais de 18 anos de prisão em regime fechado.

Crime motivou protestos da família e de amigos da vítima
Crime motivou protestos da família e de amigos da vítima | Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

No entanto, Neves poderá recorrer da sentença em liberdade uma vez que o atual entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece não ser cabível a execução provisória da pena de forma imediata. O entendimento do presidente do Tribunal do Júri, o juiz Paulo César Roldão, também levou em conta a atual situação do réu, que já havia conseguido reverter a prisão preventiva para o monitoramento eletrônico, em outubro do ano passado. Tanto a defesa de Neves quanto o advogado que atuou como assistente de acusação do Ministério Público afirmaram que vão recorrer da decisão.

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O caso Matheus Evangelista se tornou um dos mais emblemáticos da região de Londrina envolvendo a morte de um jovem negro e morador de uma periferia pelas mãos de agentes das forças de segurança. O triste enredo, que passou a ganhar as manchetes após a noite de 11 de março de 2018, possuía não só elementos recorrentes da cobertura policial brasileira, como também teve a capacidade de trazer novamente à tona a discussão sobre a legitimidade do porte de armas para Guardas Municipais. A GM de Londrina havia conquistado o porte de armas pouco mais de três anos antes e o tema não deixou de ser explorado pela acusação durante o depoimento de uma testemunha arrolada pela defesa, um diretor da GM.

O advogado Mário Barbosa, assistente de acusação ao lado de Inaiane Alves Gonçalves, avaliou que o caso ficará marcado por "fugir à regra" quando se trata de mortes de jovens em abordagens. "Esse júri irá ficar marcado porque ele significou tudo o que não temos quando envolve um agente de segurança. Dificilmente, se conclui um inquérito. Dificilmente, eles são pronunciados, vão para o júri e são condenados. Então tem um antes e um depois desse júri sim, porque o corpo dos jurados que representa a sociedade londrinense, com esse veredito de que o Neves é culpado, deixou bem claro que a Guarda Municipal não tem licença para matar os nossos jovens", avaliou

Matheus Ferreira Evangelista era o terceiro filho de um casal de moradores da zona norte de Londrina. Após o homicídio, o casal acabou se separando e a família atravessou inúmeros problemas, contou a irmã. “Sem dúvida, para nós foi muito difícil, muito complicado, uma morte que ninguém esperava. Depois que aconteceu, ficamos muito perdidos. Minha mãe até se mudou, aconteceram muitas coisas na nossa família por conta de uma abordagem errada. Só de saber que o júri aconteceu, ficamos mais aliviados", afirmou.

Mesmo assim, disse acreditar que o réu não deveria continuar cumprindo sua pena em liberdade, conforme entendeu o magistrado.

DECISÃO

Sobre recorrer da decisão, o advogado Mário Barbosa reafirmou nesta quarta-feira (4) que discorda do ponto de vista do magistrado em manter Neves sob monitoramento eletrônico. De acordo com ele, a execução imediata da pena foi uma inovação trazida com o Pacote Anticrime e pode ser autorizada em casos de condenações superiores a 15 anos de reclusão.

Para André Salvador, que atuou na defesa do réu ao lado de Alfeu Brassaroto Júnior, a decisão dos jurados contraria "todas as provas testemunhais e periciais, que apontam a autoria do disparo como sendo do GM Michael Garcia", beneficiado com um acordo de não persecução penal com a Justiça.

"Entendemos que havia três policiais, elegeram o Neves. Sobrou um para ser julgado e os jurados, pela pressão popular, o julgamento pela mídia, acabou condenando porque teria que condenar um guarda", avaliou.

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