O ex-guarda municipal Fernando Ferreira das Neves, réu no caso Matheus Evangelista, foi condenado a 18 anos, um mês e 15 dias de prisão em regime fechado. No entanto, poderá recorrer da sentença em liberdade uma vez que o atual entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece não ser cabível a execução provisória da pena de forma imediata. Este entendimento favoreceu o réu, que chegou a ficar dois anos preso e teve a prisão substituída pelo monitoramento eletrônico em outubro do ano passado. Entretanto, foi considerada uma vitória pela acusação uma vez que a maioria dos jurados reconheceu a autoria do crime de homicídio. Por outro lado, a defesa do ex-GM garantiu que vai tentar buscar um novo julgamento e a redução da pena. Matheus Evangelista foi morto em 2018, durante uma abordagem por perturbação do sossego. Ele tinha 18 anos.

A decisão foi lida pelo presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Londrina, o juiz Paulo César Roldão, após cerca de 13 horas de julgamento. Enquanto a capacidade da sala do Fórum foi reduzida devido à pandemia da Covid-19, familiares, amigos e militantes de movimentos de defesa dos Direitos Humanos mantiveram-se vigilantes do lado de fora, desde as primeiras horas manhã. Cartazes foram erguidos pelo grupo, que também prestou uma homenagem a Vilma Yá Mukumbi Santos, líder do movimento negro em Londrina, morta no mesmo dia em que o acusado pelo homicídio de Evangelista estava sendo julgado, porém em 2013.

Vigília para Matheus Evangelista: familiares, amigos e movimentos de defesa dos Direitos Humanos pediram justiça.
Vigília para Matheus Evangelista: familiares, amigos e movimentos de defesa dos Direitos Humanos pediram justiça. | Foto: Gustavo Carneiro

À FOLHA, o advogado Mário Barbosa, que atuou como assistente de acusação do Ministério Público, considerou a decisão como "uma grande vitória" já que foram reconhecidas pelos jurados as qualificadoras apontadas pela acusação para o crime de homicídio. O júri também considerou que Fernando Neves cometeu fraude processual ao ter buscado dificultar a elucidação da morte do jovem, além de falsidade ideológica.

"Esse júri irá ficar marcado porque ele significou tudo o que não temos quando envolve um agente de segurança. Dificilmente, se conclui um inquérito. Dificilmente, eles são pronunciados, vão para o júri e são condenados. Então tem um antes e depois desse júri sim, porque o corpo dos jurados que representa a sociedade londrinense, com esse veredito de que o Neves é culpado ele deixou bem claro que a Guarda Municipal não tem licença para matar os nossos jovens", avaliou Barbosa, que atuou ao lado da advogada Inaiane Alves Gonçalves.

Já o advogado André Salvador, que atuou na defesa de Neves ao lado de Alfeu Brassaroto Júnior, disse respeitar a decisão mesmo considerando-a "contrária às provas dos autos", avaliou. Ele garantiu que a defesa irá recorrer para reduzir a pena. "A defesa vai recorrer, inclusive da pena aplicada, e vamos tentar buscar um novo julgamento. O juiz concordou em ele permanecer em liberdade monitorado e, assim, estará continuando a cumprir a pena. Então, a defesa vai buscar outros recursos previstos em lei para buscar um novo julgamento", afirmou.

O magistrado estabeleceu uma pena de 14 anos e três meses de reclusão pelo cometimento do crime de homicídio. No entanto, foi ampliada para 16 anos e sete meses com o reconhecimento pelo corpo de jurados de uma qualificadora: a utilização de meio que possa resultar no perigo comum. A impossibilidade de defesa à vítima também foi reconhecida pelo júri, porém foi considerada como um agravante para o estabelecimento da pena. Para o crime de fraude processual, foi estabelecida pena de cinco meses e 18 dias de reclusão e um ano e seis meses de reclusão foi a pena fixada pelo magistrado para o crime de falsidade ideológica.

O julgamento

Amplamente lembrado como um caso de violência envolvendo as forças de segurança, o processo também ficará marcado pela divergência entre os agentes envolvidos a respeito da autoria do disparo. Embora tenha afirmado que a equipe encontrou o jovem baleado, Neves foi denunciado pelo Ministério Público como o responsável pela autoria, também, com base nos depoimentos dos outros dois GMs que participaram da abordagem e até já foram excluídos do processo.

Neves foi interrogado logo no início da tarde desta terça-feira. Diante do júri, também foi questionado sobre os motivos de ter retornado ao local do disparo no dia seguinte. "Por curiosidade", respondeu.

Após responder às perguntas de sua defesa, que abordou a suposta estratégia da equipe da GM para viabilizar o atendimento médico ao jovem de forma rápida, Neves não respondeu aos questionamentos feitos pelo assistente de acusação.

O Ministério deu início ao debate oral sobre os detalhes dos eventos que colaboram para o óbito às 15h20. Neste período, a acusação possui 1h30 para o convencimento dos jurados. Em seguida, a defesa do réu possui o mesmo período, havendo, também, mais 1h para a réplica da acusação e 1h para a tréplica da defesa.

O promotor explicou que, conforme as testemunhas, um segundo tiro foi ouvido pelos jovens. Este disparo teria ocorrido no momento em que o grupo de adolescentes já estava sendo abordado pelos GMs, em posição frontal à parede. Por conta disso, o GM teria assumindo a responsabilidade pelo risco. "É uma segunda qualificadora que é a de tornar impossível a defesa da vítima. Quando eles estavam virados de costas, o tiro atingiu aqui e saiu aqui. Recurso que impossibilitou a defesa da vítima", explicou o promotor Vitor Hugo Nicastro Honesko.

Em seguida, o MPPR trouxe um fato, até então, pouco conhecido no caso. Conforme o promotor, Fernando Neves teria telefonado para um investigador da Polícia Civil em busca de informações sobre a perícia realizada no local do disparo.

"E por último, um detalhe importante, que foi colocado pelo delegado de polícia no final do inquérito policial dizendo que um guarda municipal tinha ligado para o investigador (nome suprimido) perguntando como que foi o laudo de confrontação porque ele estava preocupado. Esse guarda teria sido Fernando Neves. Então, temos todo este arcabouço, na verdade, um quebra cabeça, que tem que ser montado porque desde o início não foi feita a investigação como deveria ter sido feita. É complicado, mas temos pontos que se colocam em união que indicam que, realmente, Neves foi o autor do disparo que atingiu Matheus", completou o promotor.

Defesa

O debate oral da defesa de Neves teve início às 16h36, com uma narrativa por parte do advogado André Salvador de trechos de depoimentos de jovens que estavam no local. O objetivo foi explorar supostas contradições entre as falas para enfraquecer a tese da acusação contra o seu cliente.

Segundo a defesa, os depoimentos indicam que o GM responsável por efetuar o disparo que vitimou Evangelista possuía características físicas que não correspondem com as de Fernando Neves.

"Aqui, o que a defesa traz é o depoimento prestado na Delegacia. O que podemos nos atentar são os seguintes fatos. Primeiro, o reconhecimento é sem qualquer margem de dúvida: quem atirou foi o Michael, o de bigode. O delegado se preocupou em trazer sete fotografias e quem ele reconhece? Exatamente a pessoa da foto número quatro, que é o Michael", completou o advogado Alfeu Brassaroto Júnnior.

Além de apresentar outros depoimentos que apontavam a autoria disparo como sendo do então GM Michael Garcia, o advogado trouxe um trecho do inquérito policial em que delegado responsável apontou detalhes sobre a arma. "Com relação à cápsula, era esperada a negativa tendo em vista que o percursor é da marca Glock. O único que usava Glock no dia era o Michael, era uma arma particular que ele tinha autorização para utilizar na Guarda", apresentou aos jurados.

Com a palavra, o advogado André Salvador voltou a disparar contra Garcia, que também chegou a cumprir pena em regime fechado, mas acabou sendo beneficiado com um acordo de não persecução penal. "O que eu não entendo é por quê a assistente de acusação não recorreu na sentença de pronúncia que ficou brigando desde o começo, acusando Michael, acusando Neves e não recorreu. Depois, faz o acordo, ele recorre e o Tribunal não conhece. Depois, o juiz, corretamente, com o parecer favorável do promotor, concedeu a liberdade dele. Juiz com parecer favorável da acusação concedeu a liberdade dele", cobrou.

Sobre os fatos, o advogado de defesa de Garcia, Eduardo Miléo, disse que as informações foram descontextualizadas. "As pessoas num primeiro momento apontam o Michael como autor do disparo, mas depois as testemunhas apontam que Michael disparou para cima", afirmou.

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.