Os resquícios da tragédia que terminou na morte de seis presos na cadeia de Ibiporã na noite da última segunda-feira (17) devem ficar impregnados por um bom tempo, se não eternamente, para todos os personagens envolvidos nessa história: policiais civis e militares, agentes carcerários, escrivães, bombeiros e familiares. O delegado da cidade, Vitor Dutra de Oliveira, tenta, por meio de um inquérito, descobrir os responsáveis pelos homicídios, já que a suspeita maior é que eles tenham sido assassinados por uma gangue rival antes do incêndio que destruiu boa parte da carceragem.

Imagem ilustrativa da imagem "O Estado poderia ter evitado essa tragédia", afirmam familiares de presos mortos em Ibiporã
| Foto: Pedro Marconi/Grupo Folha

Com a identificação oficial pelo Instituto Médico Legal (IML), a FOLHA vasculhou processos criminais e conversou com alguns parentes dos detentos mortos. Ainda em luto, todos reclamaram da superlotação da unidade, que foi construída em 1985 e há muitos anos não apresentava condições de abrigar mais gente. Para se ter uma ideia, em um ofício enviado em 12 de agosto à juíza criminal de Ibiporã, Camila Covolo de Carvalho, o delegado disse que 135 pessoas se espremiam em um espaço criado para apenas 35. "Há um risco de fuga e arrebatamento constante", declarou no documento.

Rickelmer Peres Cegala

O rapaz de 20 anos estava há exatamente um mês na cadeia de Ibiporã. Na madrugada do dia 18 de julho, foi abordado pela PM na rua Duque de Caxias, no jardim Progresso. Segundo o boletim de ocorrência, Rickelmer foi flagrado entregando porções de crack a outra pessoa, que não foi identificada. Ao notar a presença dos policiais, correu para dentro de uma casa, onde acabou sendo capturado.

No bolso dele, os agentes apreenderam mais droga. O jovem confessou que escondia pinos de cocaína no vaso sanitário do imóvel. Os PMs descobriram que havia um mandado de prisão em aberto por tráfico expedido pela Justiça. Ele teve a prisão preventiva decretada na audiência de custódia e aguardava a nomeação de um advogado pelo Estado para apresentar defesa no processo.

Sem querer se identificar, uma parente de Rickelmer contou como ficou sabendo do incêndio na carceragem de Ibiporã. "Eu acordei de madrugada, perto das 2h, e vi uma mensagem de um amigo dizendo que tinha pegado fogo na cadeia. Fui ao IML, mas estava fechado. Busquei a delegacia e tive essa horrível notícia. Nem chegamos a pedir a transferência. Nesses dias 30 dias que ele ficou preso, não consegui vê-lo. Ainda estou me recuperando dessa turbulência, mas vou procurar meus direitos. Ninguém vai trazer ele de volta. Foi um completo descaso. Onde já se viu uma cadeia superlotada como essa?", protestou.

Ronaldo de Oliveira Pinho

Ronaldo estava preso há mais de um ano. Perto das 22h de 23 de julho de 2019, ele foi preso por policiais militares na rua Desembargador Clotário Portugal, também no jardim Progresso, em Ibiporã. Uma viatura foi até o endereço depois de receber uma denúncia de que três homens estavam traficando escondidos em uma mata. De acordo com o boletim de ocorrência, eles não obedeceram a ordem de abordagem e atiraram contra os PMS.

O único que terminou detido foi Ronaldo, baleado na perna direita após trocar tiros com a polícia. Ele foi levado pelo Siate até o Hospital Cristo Rei. A equipe apreendeu ainda 13 pedras de crack com o jovem de 19 anos, mas não localizou a arma usada no confronto. Em março deste ano, o promotor Thiago Cava pediu a condenação do réu por tráfico. A advogada Maria Brito Goulart informou à FOLHA que não tinha conhecimento de possíveis brigas entre o acusado e outros presos da cadeia. Ela contou que não pediu a remoção para outro presídio por se tratar de um detento provisório.

A sentença estava prestes a ser dada pela juíza criminal Camila Covolo de Carvalho.

Jonas Gonçalves de Queiroz

Segundo a Polícia Militar, Jonas Gonçalves de Queiroz já havia fugido da cadeia de Ibiporã em agosto do ano passado. Ele, junto com outros dois comparsas, se envolveu em um assalto em Sertanópolis. De acordo com a denúncia, os criminosos roubaram um Corsa e atiraram duas vezes contra uma das vítimas, encaminhada em estado grave na época para um hospital de Londrina. O acusado foi encontrado após uma operação que contou com a participação do helicóptero do BPMOA (Batalhão de Operações Aéreas) com celulares, relógios, espingarda de pressão e outros objetos.

"Vou tomar providências contra o Estado, que sabia o que poderia acontecer. Ele me falava que as condições da carceragem sempre foram horríveis", relatou à reportagem uma parente de Jonas, que não prefere se identificar. "Eu pedi a transferência dele por causa da superlotação duas semanas antes dele morrer. Não recebi nenhuma resposta do Judiciário. É dever do governo oferecer ao detento as mínimas condições para cumprimento da pena", disse o advogado de defesa Leonardo Martins Félix.

Marcelo Henrique dos Santos

Marcelo, de 22 anos, era um dos vários presos condenados que continuavam em Ibiporã. No dia 11 de junho de 2017, perto das 19h25, ele, armado, assaltou uma residência de um idoso de 80 anos na rua Sete de Setembro, região central do município. Na ocasião, ele levou um relógio, R$ 650 e muitas jóias. Segundo a PM, a vítima tentou reagir e foi agredido com chutes pelo corpo e coronhadas na cabeça. No final de 2018, o jovem foi condenado a mais de 10 anos em regime fechado pelo roubo. A FOLHA procurou a defesa do réu, que não retornou o pedido de entrevista.

Danilo Lúcio Lopes Rodrigues

O rapaz de 23 anos foi detido em abril de 2019 no jardim do Éden, em Ibiporã, junto com um adolescente. A acusação é de que estava preparando mais de dois quilos de maconha para venda. A ação proposta pelo Ministério Público chegou a ser suspensa porque a Justiça autorizou a instauração de um exame de insanidade mental. O processo já passou pelas audiências de instrução, mas sem sentença ainda. A reportagem também não conseguiu contato com a advogada do jovem.

Jorge Luiz de Almeida

Conforme consulta feita ao Tribunal de Justiça, todas as ações contra Jorge Luiz de Almeida estão em sigilo no Fórum de Ibiporã.

Mudança da Polícia Civil

Na semana passada, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) assinou um convênio com a Prefeitura de Ibiporã para transferência da sede administrativa da Polícia Civil, que funcionará um imóvel alugado na avenida dos Estudantes, perto do Hospital Cristo Rei, centro da cidade. O Depen (Departamento Penitenciário do Paraná) começou a transferir 25 presos da unidade após a morte dos seis encarcerados. A reportagem aguarda retorno da Sesp sobre quais outras melhorias devem ser realizadas na cadeia.