O tabagismo dos tempos digitais trilha o caminho da clandestinidade. Cada vez mais popular e mais presente no espaço público, o mundo do cigarro eletrônico deve viver um ano decisivo quando o assunto é legislação.

Maior temor dos especialistas em saúde pública  é que a moda dos DEFs provoque um aumento do número de jovens em contato com outros produtos da indústria tabagista
Maior temor dos especialistas em saúde pública é que a moda dos DEFs provoque um aumento do número de jovens em contato com outros produtos da indústria tabagista | Foto: iStock

Pouco mais de um mês depois de a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) reiterar, em decisão colegiada e unânime, a proibição da comercialização, da importação e da publicidade dos DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar) - regra que vigora há 12 anos através da Resolução de Diretoria Colegiada 46/2009 -, o debate sobre o tema deve migrar nos próximos meses para o ambiente do Poder Legislativo.

Somente na Câmara Federal, são muitos os projetos que tratam do tema, de autores, legislaturas e partidos diferentes, a grande maioria com restrições semelhantes às impostas pela Anvisa.

Em Londrina, o vereador Ailton Nantes (PP) é o autor do projeto de lei 125/2022 que proíbe, além da comercialização, o uso dos DEFs em ambientes fechados com a fixação de cartazes de advertência. O projeto está em análise na Comissão de Justiça, Legislação e Redação da Câmara Municipal e deve entrar na pauta após o período eleitoral.

“Importante enfatizar, que diferentemente de como são apresentados de que os cigarros eletrônicos são inócuos, ainda que o vapor que expelem não se revela malcheiroso ou incômodo, como o do cigarro de combustão, todavia, os dispositivos eletrônicos emitem diversas substâncias tóxicas e cancerígenas, podendo, até mesmo, acometer aqueles que passivamente são expostos às emanações”, diz um trecho da justificativa.

Em termos práticos, a entrada em vigor da legislação não alteraria significativamente a repressão ao dispositivo. Mas em muitas câmaras municipais e nas assembleias legislativas, o entendimento é que a restrição só se tornaria irreversível com legislação específica. No caso da resolução da Anvisa, a regra pode ser alterada com novas resoluções.

Na reunião do dia 6 de julho, durante a análise do Relatório de Análise de Impacto Regulatório, os diretores não deram nenhum indício de que este entendimento seja revisto, embora entre as deliberações estejam a reforma da legislação atual e a publicação de uma nova RDC ainda este ano. A Anvisa também deve discutir o aprimoramento do modelo de fiscalização e da disseminação de informações sobre esse tipo de produto.

Na Assembleia Legislativa do Paraná, tramita o PL 201/2022, de autoria do deputado Dr. Batista (União Brasil), nome eleitoral do cirurgião Manoel Batista da Silva, com base política em Maringá. Ele é presidente da Comissão Estadual de Saúde da Assembleia. O deputado não retornou as ligações da Folha para sua assessoria, mas se pronunciou em reportagem publicada no site da Alep. “O projeto se justifica devido a insegurança ocasionada pela disseminação desse produto na sociedade, mesmo estando proibido pela Anvisa. Sem que haja licença para introdução destes cigarros eletrônicos na vida dos indivíduos, coloca-os em posição de risco à saúde”, comentou.

A argumentação dos defensores da proibição vai além dos malefícios do chamado vaping para a saúde - dependência química da nicotina, irritações das vias respiratórias e doenças cardiovasculares.

A preocupação se concentra principalmente num possível retrocesso nas políticas públicas antitabagistas, que fizeram o consumo do cigarro tradicional despencar no Brasil, baixando para menos de dois dígitos o percentual de fumantes habituais em pouco mais de uma década. Segundo pesquisa de 2018 do Ministério da Saúde, 9,3% dos brasileiros se diziam fumantes, contra 15,6% em 2006.

O maior temor é que a moda dos DEFs acarreta um aumento do número de jovens em contato com outros produtos da indústria tabagista, em pontos de venda no formato de conveniência ou tabacaria. Por outro lado, a suposta falsa sensação de que os dispositivos controlam os efeitos da abstinência do cigarro tradicional e acaba transmitindo uma imagem positiva para o modo de fumar 2.0.

De acordo com uma compilação publicada num estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em parceria com o IBGE, 16,8% dos estudantes brasileiros entre 13 e 17 anos já usaram um DEF pelo menos uma vez. No Paraná, o alcance da moda é muito maior, com 27,6% de adeptos eventuais ou frequentes, a segunda maior incidência do país, ficando atrás apenas do Distrito Federal (30,8%). A base de dados do levantamento é a PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar), feita com mais de 10 mil estudantes em todo o território nacional.

Legislação municipal

O vereador de Londrina Ailton Nantes destaca o caráter pedagógico de uma futura legislação municipal de restrição. “Nosso objetivo é despertar a população sobre os malefícios do cigarro eletrônico, que no início da comercialização foi encarado com menos prejudicial que o cigarro comum, uma ideia que, com o tempo e com a publicação de novas pesquisas, foi desmentida, relacionando o uso abusivo até mesmo ao desenvolvimento de câncer no usuário”, alerta.

Nantes acredita que o vaping também pode se tornar uma porta de entrada para outros produtos fumígenos entre os adolescentes. Outro aspecto, reforça o vereador, é que o projeto aborda a coibição do consumo dos DEFs em ambientes fechados, o que não consta na resolução da Anvisa.

O vereador diz que pretende defender junto ao Executivo ações complementares à lei, como campanhas educativas em escolas e em unidades de saúde.

Combate não tem operações específicas

O Núcleo de Comunicação da Prefeitura informou que a Guarda Municipal não realiza ações específicas de combate ao comércio ilegal dos DEFs. A repressão se restringe à Aifu (Ação Integrada de Fiscalização Urbana), coordenada pela Polícia Militar e que envolve outros órgãos, entre eles a Guarda Municipal. Estas operações são frequentes, porém, ocasionais.

A Receita Federal, responsável pelo combate ao contrabando, não forneceu dados sobre as apreensões na região, mas o delegado regional Reginaldo Cardoso disse que as apreensões mais relevantes ocorrem em grandes lojas de produtos importados e em veículos que trafegam nas rotas mais conhecidas de escoamento de produtos ilegais. As principais portas de entrada dos DEFs no estado, segundo Cardoso, são Foz do Iguaçu e Guaíra, além dos municípios banhados pelo Lago de Itaipu.

No início do ano, a Receita divulgou que as apreensões dos cigarros eletrônicos tiveram em nível federal crescimento em escala geométrica, com variação positiva de 600% na comparação entre 2020 e 2021