Brasília - Uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro alterou as diretrizes da educação de surdos e abriu espaço para o fomento de escolas especiais. A legislação tem apoio da comunidade surda, mas há resistências entre especialistas relacionadas à intensificação da segregação de crianças e jovens.

Há no Brasil cerca de 10,7 milhões de pessoas com surdez ou deficiência auditiva
Há no Brasil cerca de 10,7 milhões de pessoas com surdez ou deficiência auditiva | Foto: iStock

Com a nova lei, sancionada na terça-feira (3), que atualizou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), a educação bilíngue de surdos ganha status de modalidade própria, independentemente da educação especial. Com isso, a Libras (Língua Brasileira de Sinais) passa a ser a primeira língua nessa modalidade e a língua portuguesa, a segunda.

Hoje já existem escolas para surdos, assim como escolas especiais para pessoas com outros tipos de deficiência. Mas o regramento sobre educação especial preconiza a oferta escolar inclusiva, com alunos matriculados preferencialmente em escolas comuns.

A previsão agora para a educação de surdos é de uma oferta escolar especializada e separada. A lei, no entanto, pontua que a efetivação do texto deve ocorrer sem prejuízo "das prerrogativas de matrícula em escolas e classes regulares, de acordo com o que decidir o estudante ou, no que couber, seus pais ou responsáveis".

Especialistas ressaltam que a comunidade surda é bastante heterogênea, com indivíduos com surdez profunda, oralizados (usam a língua portuguesa e fazem leitura labial), com deficiência auditiva (que podem usar aparelhos auditivos), sinalizados (comunicam-se em Libras) e bilíngues.

Em 2017, o tema ganhou destaque no debate nacional ao ser abordado como tema de redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). O argumento de boa parte da comunidade surda é que o princípio da inclusão, mesmo que bem-vindo, não teria provocado impactos de aprendizado para esse público.

Para eles, os alunos não aprendem nas escolas comuns e não basta ter intérprete de Libras na escola, mas sim que é preciso um projeto pedagógico e curricular direcionado.

A Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos) se posiciona a favor da mudança. Até agora, a legislação desconsideraria "as especificidades linguísticas e culturais dos surdos e a necessidade de metodologias específicas para o seu processo de ensino e aprendizagem", segundo nota publicada pela entidade.

Há no Brasil cerca de 10,7 milhões de pessoas com surdez ou deficiência auditiva, segundo levantamento do Instituto Locomotiva. O censo populacional de 2010 apontava uma população de 9,7 milhões. Na educação básica, há registro de 62.581 matrículas de crianças e jovens com surdez ou deficiência auditiva. Desses, 12% estão em classes especiais, segundo o Censo Escolar de 2020.

A oferta de Libras nas escolas não é novidade do texto. Isso é previsto há 16 anos, desde decreto sobre sua incorporação no sistema de ensino, não como primeira língua, e a formação de professores de Libras. A oferta, no entanto, não é disseminada.

Apesar de defasados, os números do Censo 2010 apontam um cenário de grande exclusão. A população surda e com deficiência auditiva somava 616 mil crianças e adolescente de até 14 anos.

Raquel Franzim, do Instituto Alana, diz que as demandas da comunidade surda são legítimas, mas, para ela, os desafios de aprendizado desses estudantes têm relação com as precariedades de todo o sistema educacional.

"Há muitos surdos que já estão em escolas regulares e precisamos melhorar o atendimento transformando as escolas para todas as crianças, e não criando novos espaços apartados. Até porque ninguém vive numa sociedade com empresas só com pessoas surdas ou moradias só de pessoas surdas", diz ela, que é diretora de Educação e Cultura da Infância da entidade.

Para Franzim, a lei deve, por um lado, fomentar a segregação escolar e, por outro, não se adequar à realidade brasileira. "As pessoas estão espalhadas pelo território, muitas vezes tem uma escola no município, com um ou dois estudantes surdos. É melhor uma escola para todos os estudantes, concentrar os esforços e recursos na escola comum."

O bilinguismo abordado de forma ampla nas escolas seria um passo importante, diz Franzim. "Deveríamos pensar a Libras como campo de conhecimento, com culturas, saberes e interações muito ricas."

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.