Voltando a ter prioridade nas pautas do governo federal em 2024, a educação sexual é fundamental para crianças de todas as idades. Quem garante isso é a psicóloga, especialista em Educação Escolar e professora da UEM (Universidade Estadual de Maringá) Eliane Maio, que ressalta a importância de ações desse tipo no ambiente escolar.

“Nós não nascemos com a nossa sexualidade, portanto, precisamos aprender sobre ela. Por isso, se fazem necessárias a educação sexual e a reprodutiva, para que possamos aprender a nos conhecer, nos respeitar e a outra pessoa também”, diz.

Débora Proença, professora, pedagoga e pós-graduada em Educação Sexual na Escola, também reforça que o conhecimento transmitido aos estudantes pode prevenir diversos transtornos. "É urgente, pois é uma maneira de fazer orientações sobre privacidade, autoproteção, sentimentos e consentimentos. Também é possível trabalhar noções de conhecimento do corpo, mudanças pelas quais os adolescentes passam, além de dar noções sobre higiene pessoal e cuidados com o próprio corpo”, elucida a docente.

A discussão voltou a ganhar fôlego após o governo Lula (PT) anunciar que vai repassar R$ 90,3 milhões a 99% dos municípios do país para que a prática volte a ser desenvolvida nas escolas. A ação faz parte do PSE (Programa Saúde na Escola), que - de acordo com a atual administração do Ministério da Saúde - não abordou o tema na gestão anterior.

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A pasta, comandada por Nísia Trindade, destaca que o programa foi reduzido a pautas sobre alimentação saudável, prevenção da obesidade e promoção de atividades físicas. Agora, além da volta da educação sexual, ganham espaço, também, ações relacionadas à saúde mental e à prevenção do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis).

ABUSO INFANTIL

Maio ressalta que a transmissão de conhecimentos sobre o assunto é fundamental para deixar as crianças cientes de abusos, caso sofram algum tipo de violência sexual. “Se não se ensina sobre ética e respeito ao corpo, pode-se deixar para que outras instâncias que a criança conviva ensinem. Infelizmente, de formas inadequadas. Sempre digo: tanto o abusador quanto a criança abusada passam pela escola”, reflete a psicóloga.

Ela ainda avalia que, devido ao alto número de abusos infantis no Brasil, a educação sexual deve acontecer desde os primeiros anos de vida da criança, evoluindo conforme a idade. “Ensinar, desde bebê, o nome correto dos órgãos sexuais (pênis e vulva) já é uma aprendizagem adequada e suficiente. Aos poucos, pode-se introduzir assuntos relacionados à sexualidade, que a criança aprenderá com segurança, respeito e ética.”

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

De acordo com números divulgados pelo Sinasc (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos), do Ministério da Saúde, um a cada sete bebês brasileiros é filho de mãe adolescente. Atuando há anos em colégios públicos, Débora Proença já presenciou de perto as consequências da ignorância sobre o assunto, que interferem violentamente no futuro de adolescentes – sobretudo – periféricas e do sexo feminino.

“Geralmente, a responsabilidade [sobre o bebê] fica com a mãe e a sua família. Isso acontece em 90% dos casos de abandono escolar. Infelizmente, ainda paira no coletivo social que é de responsabilidade da menina se cuidar para não engravidar, enquanto o menino ‘tira o time de campo’. São pouquíssimas as famílias paternas que assumem a responsabilidade de dar apoio às meninas para que elas concluam o ano letivo”, analisa.

Proença, com base em sua carreira como pedagoga e professora, revela que o índice de mães que abandonam a escola por falta de ajuda é "gigante, já que a escolha entre se sustentar, criar o filho e continuar estudando sempre pesa desfavoravelmente sobre a última opção".

“Em 30 anos de magistério, vi apenas dois casos em que a menina teve apoio da família para terminar os seus estudos. Quando acaba a licença-maternidade, a mãe não tem com quem deixar a criança e se vê obrigada a parar de estudar. Algumas meninas retornam na fase adulta, quando estão emocionalmente mais fortes e com apoio financeiro”, conclui.

‘IDEOLOGIA DE GÊNERO’

Um dos pontos que mais dificultam a implementação eficaz da educação sexual nas escolas, apontam as especialistas, é a guerra ideológica. O trato de assuntos relacionados ao corpo humano e à sexualidade na infância e adolescência ainda é visto com maus olhos por parcela da sociedade. Eliane Maio reflete que o tabu sobre o tema também é fomentado por motivos religiosos.

“Infelizmente, há muitas pessoas que ainda defendem que, ao se trabalhar com educação em sexualidade nas escolas, se estaria fazendo a tal ‘ideologia de gênero’, que não existe e nunca existiu. O que se pretende é levar conhecimentos científicos, que prezem a faixa etária das crianças e adolescentes, para que construam um mundo saudável e digno para todas as pessoas”, expõe.

Para ela, a volta do investimento no assunto é importante, pois os recursos serão aplicados em cursos, formações de docentes e materiais didático-pedagógicos.

Proença destaca que a educação sexual também pode ser usada na relação com as diferenças, fazendo com que as crianças desenvolvam respeito por outros cidadãos. “As aulas também contribuem para que se conheça a comunidade LGBTQIAPN+ e seus direitos”, diz.