A socióloga Elizabeth Maria Fleury Teixeira, mestre pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutoranda na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) investiga em sua pesquisa o modelo de socialização a que homens foram submetidos e que foram punidos pela Lei Maria da Penha e aponta que os ciclos de violência têm múltiplas origens. “O que investiguei não são casos de feminicídio, mas delitos menos graves e mais compatíveis com penas alternativas. Entrevistei homens que vão para os grupos de reflexão para que sejam responsabilizados pela prática de sua violência. Desse grupo, os que assumem ter batido na mulher correspondem a 2,2%. A maioria praticou violência verbal. Os que ameaçavam a companheira representam um índice acima de 15%”, expõe.

Segundo ela, há um padrão descrito pela literatura científica que denomina “ciclos de violência” essa escalada que começa com as ameaças verbais e a violência psicológica. “À medida que as crises acontecem vão se sucedendo em ciclos mais elevados. Quando a mulher não consegue romper com o ciclo de violência com os HAV (Homens Autores de Violência) e não tendo ajuda externa muitas vezes podem acabar no feminicídio.”

“Eu trabalhei com homens punidos e que frequentavam grupos de psicólogos em penas alternativas. Eles trabalham com padrões diferenciados. Alguns receberam a educação tradicional e outros a educação mais flexível, mais moderna. Acredito que isso torna as pessoas mais confusas”, aponta. Ela explicou que para romper com o círculo vicioso do patriarcado é preciso educar rapazes e moças, meninos e meninas, para uma vida de mais liberdade. “Os homens assumem essa igualdade de direito, defendem a equidade, mas ao discutir moral sexual para rapazes e para as mulheres há um moralismo hipócrita em relação a isso. Há dois padrões de regra. Um para rapazes e outro para moças. Quando os homens contam a história de sua sexualidade, revelam que começaram muito cedo. No entanto, mais de 30% defendem a virgindade das mulheres. Em geral são pessoas de baixa escolaridade. É preciso que a educação trabalhe essa temática de direitos.”

“Não é do dia para a noite que o feminicídio acontece e há muitos fatores que formam essa construção. O homem não se constrói como ser violento sozinho. Isso é uma construção social. Eu trabalho com a concepção do australiano Robert Connell, que desde 1985 descreve a construção das masculinidades e que aponta que vários fatores contribuem para essa construção. Pode ter fator álcool, educação moralista etc. Os religiosos são muito ciumentos na relação de casal. Muitas vezes pode ser o padrão socioeconômico baixo ou quando a pessoa não consegue se firmar em sua esfera de trabalho que resultam em dificuldades para sobreviver de maneira digna”, aponta.

Ela reforça que um ser humano não existe sozinho na vida social. “O processo civilizatório pode ser visto em si como ato de violência à medida que coloca limites e fronteiras para educar para a vida coletiva para que a vida social possa ser desfrutada por todos os seres humanos. O ser humano na sua individualidade possui desejos primitivos que a psicanálise estudou e que são limitados pelo processo civilizatório. O ato de educar é um ato violento porque estabelece limites. Diz não para várias coisas que são consideradas barbárie na sociedade atual. Não existe um fator único que vá construir um comportamento de violência, a não ser nos casos de psicopatas e sociopatas, mas aí é outro caso.”

Teixeira relatou que, na sociologia, Marilena Chauí e Maria Filomena Gregori descrevem outro enfoque, afirmando que as mulheres participam na construção da violência. “Há hoje um modelo em construção em uma sociedade em transformação. O modelo mais igualitário de direitos entre homens e mulheres está nesse processo”, observa a pesquisadora, que descreve o momento atual como de retrocesso. “Há idas e vindas, mas isso faz parte do fenômeno de edificação da modernidade”, projeta.

Questionada se há influência de pessoas de destaque no comportamento das pessoas, ela explica que em momentos confusos a pessoa vai conversar com sua rede de influenciadores próximos. “Os padrões que as pessoas aprendem na juventude são as maiores referências, em geral os padrões familiares, muito mais do que personalidades que são tratadas como líderes”

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