Rio - Em 2020, os brasileiros conviveram não só com as perdas para a Covid, mas com o aumento de 4% das mortes violentas, interrompendo uma sequência de dois anos de queda nos números. Foram 50.033 vítimas, 78% delas mortas com armas de fogo, em uma alta puxada pelos Estados do Nordeste.

Os dados são do 15º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (15). As mortes violentas intencionais, pelo critério do relatório, são a soma dos homicídios dolosos (83% do total da categoria e que subiram 5,3%), dos latrocínios, das lesões corporais seguidas de morte, dos feminicídios e das mortes decorrentes de intervenção policial.

O recorde de desemprego e a piora da saúde mental da população são algumas das hipóteses para o aumento dos crimes interpessoais
O recorde de desemprego e a piora da saúde mental da população são algumas das hipóteses para o aumento dos crimes interpessoais | Foto: Ricardo Chicarelli/11-12-2012

Em 2017, o Brasil atingiu um recorde de assassinatos e a taxa chegou a 30,9 mortes para cada 100 mil habitantes. O índice caiu em 2018 e 2019, até que voltou a subir no ano passado, quando a taxa ficou em 23,6 por 100 mil.

Os alvos continuam os mesmos: homens (91%), negros (76%) e jovens (54%). É a violência a principal causa de morte, de todas as possíveis, entre os jovens brasileiros. Ela também atinge de forma desproporcional os negros, que são 56% da população.

Em um ano atípico, os picos das mortes violentas ocorreram justamente nos primeiros meses da pandemia no país. Em março e abril foram registradas, respectivamente, 4.799 e 4.786 óbitos violentos. Depois disso, há uma queda e estabilidade na curva até outubro, quando começa um novo pico de mortes.

O isolamento social imposto pelo vírus resultou na diminuição de todos os crimes patrimoniais. Houve queda de 27% no roubo de veículos e a estabelecimentos comerciais, de 17% no roubo a residências, de 36% no roubo a transeunte e de 25% no roubo de carga.

Mas a quarentena não foi capaz de frear os homicídios e pode mesmo ter influenciado no aumento deles. O recorde de desemprego e a piora da saúde mental da população são algumas das hipóteses para o aumento dos crimes interpessoais, como brigas de vizinho e feminicídios, por exemplo.

A principal explicação para a alta nas mortes, porém, está nos Estados do Nordeste, que tiveram mudanças nas dinâmicas do crime organizado, com mais disputas locais entre facções. Todos os estados da região tiveram aumento da violência letal. Outro fator é ter mais armas em circulação - 1,8 milhão delas nas mãos de cidadãos comuns.

"Os próprios policiais com quem conversamos do Piauí e da Paraíba disseram que notaram um aumento do número de pessoas com armas no policiamento. Só no ano passado, foram 200 mil novas armas registradas", diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Parcela das polícias também entende que a liberação de presos em virtude da pandemia, recomendada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), não foi feita de forma criteriosa e resultou na soltura de membros de facções e de homicidas. Isso teria aumentado a demanda das corporações, ao mesmo tempo em que tiveram quase um terço do efetivo infectado pelo coronavírus e afastado das ruas.

CONTRAMÃO

Na contramão da curva da violência, no entanto, o país teve redução de 1,7% dos gastos com segurança pública em 2020, ainda segundo o anuário. Foram R$ 96 bilhões para a área e quem mais cortou verbas foram os municípios.

Segundo Samira Bueno, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não inovou em nada na segurança, sua principal plataforma eleitoral. O projeto-piloto Em Frente, Brasil, por exemplo, que pretendia reduzir a violência nos municípios com mais mortes, foi abandonado pela gestão com a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.

"Bolsonaro se beneficiou das mudanças feitas no governo de Michel Temer, como o repasse obrigatório de verbas da Loteria para o Fundo Nacional de Segurança Pública, que hoje é todo o dinheiro de investimento do governo federal na área", afirma.

"Ele assume a cadeira com os homicídios caindo e dinheiro. Mas estamos vendo os índices voltarem a crescer e nenhum plano nacional para reduzir a violência, com diretrizes do que é prioritário, governança ou mais recursos", diz a diretora do Fórum.

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