Rio - Nem a pandemia do coronavírus foi capaz de reverter a alta de mortes por intervenções policiais no Brasil. O número de ocorrências desse tipo cresceu levemente em 2020, pelo sétimo ano seguido, e triplicou se comparado ao início da série histórica.

Foram 6.416 pessoas mortas por agentes do Estado no ano passado, mais de 17 por dia, mostra o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública lançado nesta quinta (15). Em 2013, primeiro ano com dados disponíveis, o total era bem mais baixo: 2.212.

Segundo pesquisadores da área, a curva crescente é mais um reflexo da ausência de políticas de controle da letalidade policial e não deve dar sinais de queda até que medidas estruturais sejam implementadas pelos Estados.

Dezoito unidades da federação tiveram alta nos óbitos por agentes de segurança de 2019 para 2020, e nove tiveram queda. Entre os principais responsáveis por puxar essa estatística para cima no último ano estão Bahia, Goiás e Paraná, em números absolutos - as maiores taxas estão no Amapá, Goiás e Sergipe.

O aumento total do país, porém, foi bem mais brando do que nos anos anteriores. Isso porque o Rio de Janeiro, que concentra quase um quinto dessas mortes, registrou uma queda significativa (31%), e São Paulo, também importante, encolheu 6%.

Os fluminenses vinham observando esse número inflar continuamente desde 2014, mas ele despencou em junho do ano passado, assim que o STF (Supremo Tribunal Federal) restringiu operações em favelas. Neste ano, mesmo com a decisão ainda em voga, o estado voltou aos níveis anteriores, de 150 óbitos por mês.

A Polícia Militar diz que "as forças de segurança do estado atuam num cenário complexo, no qual há décadas facções criminosas rivais disputam território de forma extremamente violenta. Apesar de todas as dificuldades, os indicadores criminais demonstram reduções expressivas e contínuas".

Tânia Pinc, major da reserva de São Paulo que há quase dez anos estuda por que as polícias matam, afirma que a maior parte das mais de 6.000 mortes registradas no país poderia ter sido evitada. Elas representam, em média, 13% de todas as mortes por causas violentas no Brasil. Em alguns Estados, chegam a corresponder a quase um terço (Amapá, Goiás e Rio) ou um quarto delas (Sergipe, São Paulo e Pará).

A pesquisadora detalha três principais fatores que influenciam na decisão do agente de atirar e que podem estar mantendo esses números tão altos no país - e, portanto, deveriam ser levados em conta para encontrar possíveis soluções.

O primeiro é o preparo profissional, que envolve estratégias das corporações para treiná-los a enfrentar situações de risco. O segundo ela chama de "compliance", o comprometimento que esses agentes têm com a lei, que é algo muito mais individual e difícil de controlar, e cujos desvios devem ser detectados, por exemplo, na seleção e no recrutamento.

Já o terceiro é algo ainda não estudado no Brasil: a reação espontânea do corpo às ameaças, no campo da neurociência. Quanto maior a ansiedade, maior a probabilidade de erro, de o policial atirar quando não deveria, ou de não atirar quando deveria.

POLICIAIS TAMBÉM MORRERAM MAIS

Outra estatística negativa trazida pelo anuário é o aumento no número de policiais militares e civis mortos em 2019 e 2020, de 172 para 194 - não há série histórica. As corporações paulistas passaram as fluminenses e agora estão no topo da lista, com 49 óbitos.

Quem mais matou agentes de segurança no período, porém, foi o coronavírus, com 472 vítimas no total. Os pesquisadores calcularam que um em cada quatro servidores chegou a ser afastado das ruas por causa da doença (131 mil pessoas).

"A situação dos policiais piorou bastante no ano passado, juntando a pandemia com a violência", diz David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mais uma vez os negros foram os mais atingidos: representaram 63% dos agentes vitimados, apesar de configurarem 42% dos efetivos.