A violência contra a população LGBTQIA+ no Paraná deu um salto impressionante nos últimos anos. Esse cenário hostil é comprovado com o número de boletins de ocorrência de lesões corporais. Em apenas 12 meses, o crescimento foi de 455%. Foram 18 crimes em 2020 e 101 no ano passado.

Os dados foram obtidos pela FOLHA por meio da Lei de Acesso à Informação com o Centro de Análise, Planejamento e Estatística da Sesp (Secretaria Estadual de Segurança Pública). O levantamento compreende os BOs feitos nas delegacias paranaenses entre 1º de janeiro de 2014, quando as estatísticas contra o público LGBTQIA+ passaram a ser contabilizadas, até 24 de maio deste ano.

O infográfico revela que a média sempre foi de 25 registros, oscilando um pouco pra cima ou baixo. Em 2021, a Sesp reuniu 101 boletins de ocorrência, o que intriga tanto ativistas quanto as autoridades policiais.

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O panorama considera apenas a lesão corporal, que é um crime contra a vida e significa o ato de alguém ofender a integridade física ou a saúde de outra pessoa. Dependendo da gravidade do caso, o Código Penal prevê penas diferentes que variam de três meses a 12 anos de prisão.

REFLEXO

Uma pesquisa rápida na internet mostra que as notícias retratando este tipo de violência surgem cada vez com mais frequência. Um dos casos mais emblemáticos aconteceu em maio do ano passado. A Polícia Civil prendeu um serial killer que matou três homossexuais, dois em Curitiba e um em Santa Catarina.

O rapaz confessou que pretendia fazer uma vítima por semana. Segundo as investigações, ele marcava encontros com gays por meio de aplicativos. Na delegacia, revelou detalhes macabros dos crimes que cometia. O acusado dava o chamado "mata-leão" até a vítima ficar desacordada.

CIDADES MAIS PERIGOSAS

Os números enviados à FOLHA dividem ainda os crimes por município. No período 2014-2022, Curitiba foi o mais violento: 53 agressões, seguido de Ponta Grossa (27), Foz do Iguaçu (12) e Cascavel (10).

Londrina aparece em quinto lugar com seis ocorrências, mesma quantidade de Maringá, Guarapuava e Campo Mourão. Para os ativistas locais, isso não significa que a cidade seja mais segura para a população LGBTQIA+.

"As mortes das travestis, por exemplo, acontecem em um avenida específica, mas os últimos assassinatos têm ocorrido em lugares diferentes. Ainda precisamos ter os nossos espaços. Mas acredito que a pior violência que sofremos em Londrina é a institucional. Na Câmara, nem metade dos vereadores votou pela criação de um Conselho LGBT. Não temos apoio, não temos voz", declarou Vinícius Bueno, articulador do Fórum LGBT de Londrina e região.

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Bueno relembrou a decisão do Legislativo em rejeitar o projeto do prefeito Marcelo Belinati (PP) em criar um órgão para discutir políticas públicas da área. Pressionados principalmente por representantes do segmento religioso, os parlamentares arquivaram a proposta.

Professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), especialista em Sexualidade Humana e um dos ativistas mais antigos no Estado, Toni Reis lamentou o crescimento da violência, mas acredita que a polícia tem tratado o assunto com mais cautela. "É claro que o aumento preocupa, mas o fato do registro ser feito já é um avanço significativo", comentou.

CORAGEM PARA DENUNCIAR

Reis explicou que os crimes precisam virar processos criminais. "As vítimas estão criando coragem pra denunciar, mas é necessário que isso avance ainda mais. O Estado do Paraná tem que desenvolver alternativas para diminuir o ódio e a desvalorização da nossa comunidade e também criar meios eficazes de punição", observou.

Para Bueno, a falta de políticas públicas pode ter um efeito reverso nas denúncias. "As pessoas violentadas se sentem desencorajadas a registrar a queixa. Os agentes de segurança não são capacitados para atender essa ocorrência. Você já está com uma ferida aberta e vai cutucar ainda mais? Também não enxergamos condenações exemplares dos casos que já aconteceram", argumentou.

DEPOIS DO BO, A INVESTIGAÇÃO

A Polícia Civil do Paraná possui um setor específico para apurar esses crimes. É o Núcleo de Direitos Humanos e Proteção à Vulneráveis, existente desde 2016 e que hoje funciona no mesmo prédio da DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção a Pessoa) de Curitiba. O órgão, que está sendo regulamentado, atende moradores de rua, vítimas de intolerância religiosa e refugiados, dentre outros.

Segundo o delegado Cláudio Marques, a investigação se concentra em casos com autoria desconhecida em todo o Paraná. "Quando o suspeito é identificado, as próprias delegacias investigam, a não ser que precisem de um auxílio nosso. A porta de entrada pra polícia sempre é o boletim de ocorrência. Nós acompanhamos as situações mais graves, como ataques a moradores de rua em Maringá e até mesmo o serial killer preso em Curitiba", informou.

Apesar de ser um órgão policial, o Núcleo tem a função de acolher as vítimas. "Faz diferença quando a pessoa, por falta de conhecimento do servidor, seja ele da polícia, do Ministério Público e até do Judiciário, sofre preconceito justamente quando procura seus direitos. Quando elas são tratadas da forma que merecem, saem aliviadas. Parece que tiraram um peso das costas. E aí fica a obrigação do Estado em responder energicamente essa demanda", comentou Marques.

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