Na tarde calma e preguiçosa, a casinha branca no meio do pasto, lá embaixo, um silêncio cortado pelo canto dos pássaros e quase nada mais. De repente, apontava uma charrete na porteira da entrada do sítio, ou mesmo dois cavaleiros, ou um caminhãozinho Ford. Então os olhos da vó Aninha se erguiam do crochê, a tia Lola tirava o chapelão que a protegia do sol e se ajeitava, e o vovô Antônio levantava da sua cama feita de pedra, debaixo do frondoso pé de jatobá.

- “Visita!“, falavam ao mesmo tempo.

- ”Quem será?”

E aquilo parecia uni-los e melhorar a disposição, além de movimentar o lugar. O vovô já ficava pronto para abrir a porteira de arame, antes ainda de saber de quem se tratava. A preocupação da tia era se a casa estava limpa e a vó, toda educada, era a anfitriã. Não havia temor algum de ser alguém desconhecido, ou perigoso, naquele tempo, pelo menos por aquelas bandas, não tinha nada disso.

Imagem ilustrativa da imagem Dedo de Prosa: Visitas
| Foto: istock

Às vezes era algum dos tios que vinha de Taiaçu, como a tia Maria, com a charrete carregada de crianças. Se eu estivesse por lá ia adorar pois a vó conseguia tirar, num passe de mágica e não sei de onde, bolachas com goiabada, e ainda fazia bolinhos e um café diferenciado. O vovô se encarregava de tirar o cavalo da charrete e o deixava a pastar por ali. Depois ele sentava na escada da sala para a cozinha e tomava canecadas de café.

Azeites do Brasil

Se fossem vizinhos de sítio também tinha café e muita conversa. As tias ficavam papeando, lembrando acontecimentos da família, iam com a tia Lola colher ovos nos ninhos, ou com a vó pegar palmito lá perto do rio. Banana também não faltava no paiol. Se ficassem para o jantar, teria frango e linguiça, às vezes aqueles pedaços suculentos de carne de porco guardados na lata de banha.

O interessante é que as visitas chegavam sempre de surpresa, como não havia telefone, celular ou coisa parecida. Ninguém achava ruim , nem reclamava, pelo contrário. Parecia uma festa. Aos domingos, as visitas eram mais esperadas e quase sempre vinham os parentes, filhos e filhas, com suas famílias, para ficar jogando conversa fora o dia todo.

Ecossistema de inovação: organizar, planejar e desenvolver

As crianças fazendo arte ali por perto, brincando, andando a cavalo puxado pelo vovô Antônio. Eram voltas e mais voltas, era paciência e mais paciência. E isso ele tinha. Ah, que saudades! Quando íamos do Paraná para visita-los, era a maior alegria. Chegávamos na cidade de Taiaçu e ficávamos ansiosos para ir ao sítio. A sensação de abrir aquela porteira, sentir o cheiro da mata e do curral, de ver a casa, de correr por ali, de rever os primos, tios e tias, era felicidade que não cabia no peito.

Enquanto isso, aqui no Paraná, também recebíamos muitas visitas, só que de maneira diferente. Como minha mãe era costureira, além das visitas vinham as freguesas; muitas traziam os filhos e, uma delas, que tinha uma loja, quando ia chegando com seus pirralhos, era uma correria só: escondíamos nossos brinquedos, no caso uns pneus velhos que costumávamos rodar pelas ruas, bolas, bolinhas de gude, enfim, qualquer coisa, apesar de termos poucos brinquedos, que eles pudessem mexer...e destruir.

Minha avó Luiza, muito curiosa, ficava espiando, no cantinho da cortina, para saber quem era. Eu ficava grudada na minha mãe para não perder as conversas, não tinha jeito. Às vezes me intrometia , fazendo minha mãe passar vergonha.

Quando se tratava de um parente ou conhecido, sempre saía um café, e se ficava para o almoço ou jantar, lá ia eu correr atrás de um frango no terreiro ou comprar mistura para minha mãe, sempre tão atarefada, e que ainda conseguia que tirar um tempinho para fazer a comida mais gostosa do mundo.

Certa vez ela me pediu para comprar umas manjubinhas frescas como opção de mistura. Entendi errado o pedido e comprei 2 quilos de manjuba seca. Imagine a quantidade...Apesar das dificuldades para acolher e servir bem as visitas, pois não tinha a variedade de produtos que temos hoje, além das modernidades, como a geladeira, fornos e fogões a gás e elétricos, um bom costume que herdei de minha família foi ser hospitaleira e fazer “sala” sempre com a mesa farta e o famoso cafezinho.

Quando as visitas ficavam para dormir era outro ritual: colchões no chão, uma cama para várias crianças, lençóis limpos, e muita farra. Visitas sempre foram bem-vindas em nossas casas, em qualquer situação. E nada melhor que lembrar esses bons tempos, quando, em volta de uma mesa simples, uma toalha bordada, um banco grande ou cadeiras de palhinha, a gente se reunia, se olhava nos olhos, ria, conversava muito, contava piadas bobas, no melhor exemplo de família, cheia de problemas, de defeitos, mas que tinha em comum a simplicidade e a alegria de viver e conviver.

Hoje, as coisas são muito diferentes, talvez mais frias, sem aquele calor e afeto de antes. Quando a saudade aperta e a solidão faz chorar, num suspiro profundo a gente se dá conta que “já não se faz mais visita como antigamente“.

Estela Maria Ferreira, leitora da FOLHA