DEDO DE PROSA: Um novo caminho
PUBLICAÇÃO
sábado, 26 de agosto de 2023
Gerson Antonio Melatti
Quando foi encontrada, magra, suja e faminta, dava para perceber que havia andado sem rumo pela cidade. Não se soube a sua origem, mas depois de alimentada e tomado banho, podia-se ver que era um animalzinho que tinha sido abandonado ou fugido de alguma casa. Os cães abandonados geralmente são vistos pelas ruas revirando lixeiras e restos de comida. Nessa disputa pela sobrevivência se tornam resistentes e podem viver até mais tempo que os cachorros de raças conhecidas.
Ela apareceu de repente num condomínio em São José dos Pinhais, onde entrou sem ser vista. Exausta devido à lida nas ruas, agiu com esperteza e ficou parada na porta de um apartamento latindo baixinho para chamar a atenção. Logo que a Karina abriu a porta, a vira-lata usou a sua inteligência canina em busca de aconchego e comida, balançando o rabinho e saltitando sem parar.
Dias depois Catota foi adotada por Ana Flávia e Daniel, que na época moravam em Curitiba e gostaram muito da cachorrinha branca e preta. De início tiveram receio em adotá-la pelo fato de morarem em apartamento, mas logo descobriram que os vira-latas são parceiros fiéis, amigáveis e brincalhões, além de extremamente gratos quando adotados. Por terem sobrevivido ao duro cotidiano das ruas, fazem tudo para agradar, retribuindo com lambidas o afeto, as brincadeiras e passeios a eles dedicados.
Aos poucos, Catota foi se adaptando à nova casa, embora ficasse assustada e trêmula quando começava a escurecer. Talvez fossem resquícios da época de abandono. Com o tempo, passou a confiar nos seus tutores, deitava no sofá para assistir TV e escutava com atenção os planos deles, que pretendiam se mudar da capital, para morar no sítio São Francisco da Cachoeira, próximo à cidade de Jacarezinho.
Embora imaginasse coisas, Catota não tinha noção do que a mudança iria lhe proporcionar. Quando se tem um cão de raça é fácil obter informações sobre suas características e comportamento, mas com um SRD (sem raça definida) fica difícil pois não existem muitos estudos sobre os cães sem pedigree. Assim, vai se aprendendo aos poucos sobre o seu temperamento.
Nos primeiros tempos no sítio, Catota não saiu de casa, passava os dias observando a movimentação do lugar, porém logo se ambientou e começou a conviver com os outros cães do lugar: Nairóbi, Luci, Faísca, Gobi, Luna, Django, Bidu e Legui.
Hoje Catota adora a vida no campo, gosta de correr pelo pasto, brincar no quintal e entrar no mato. Já teve alguns sustos e encontros inusitados. É uma aventura a cada dia. Certa vez, querendo mostrar suas habilidades de caça, abateu um franguinho caipira e deixou na porta da casa. Também correu atrás de tatus, raposas e lagartos. Noutra feita, se deu mal ao perseguir um ouriço-cacheiro e acabou com o focinho cheio de espinhos. Sorte que o veterinário estava de plantão naquele dia. Esperta, deve ter aprendido a lição, pois quando se deparou com um bando de quatis achou melhor não enfrentá-los, pegando rapidinho a trilha de volta pra casa.
Além de inteligente e travessa como qualquer vira-lata, Catota é obediente e ótima guardiã. Reaprendeu a gostar de pessoas, sabe retribuir carinho e demonstrar sua gratidão principalmente àqueles que a retiraram das ruas. É por coisas assim que a adoção deve ser estimulada, pois sempre existe a possibilidade de se começar uma nova estória.
Gerson Antonio Melatti, leitor da FOLHA.