Moro num dos extremos da cidade, na última rua de um bairro da região sul de Londrina, nas proximidades do Jardim Botânico. Tenho o privilégio de ver da janela de casa muitas áreas rurais, chácaras, pastos e bastante verde. No caminho que leva ao lugar onde moro ainda existem dois ou três capões de mata, permeando as ruas de asfalto.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA: Restinhos de mata
| Foto: Marco Jacobsen


Mesmo com a expansão imobiliária na região, a natureza teima em existir. Esses capões servem de corredor natural para os poucos animais que vivem por ali. Mas não acredito que seja por muito tempo, porque num desses capões já tem uma placa anunciando a venda do terreno. É triste constatar, mas acho impossível conter o avanço da cidade sobre esses resquícios de mata. É só uma questão de tempo.

Enquanto isso não acontece, nos resta aproveitar a beleza do lugar. Tenho feito isso procurando apreciar cada situação que surge ao meu olhar, nas caminhadas que faço pelas redondezas. No feriado de 15 de novembro passado fui andar pela manhã e me deparei com um bando de quatis atravessando com tranquilidade de um bosque para o outro. A julgar pela quantidade de animais adultos e filhotes, deve ser uma família numerosa.

Em outras ocasiões já tinha visto tatus e gambás fazendo o mesmo trajeto. Creio que essa bicharada tem suas tocas naquele capão maior, que ocupa um quarteirão inteiro.

Outro lugar que costumo andar é num trecho de terra que passa dentro de uma chácara e acaba saindo na avenida marginal da PR 445. Alguns dias atrás passei por lá no fim da tarde e deparei com um ninho feito no chão, com dois pequenos ovos de cor marrom claro, quase rosados. Como não havia nenhum pássaro por perto fiquei curioso para saber de qual espécie se tratava. Me afastei um pouco para ver se o dono do ninho aparecia. Pelo formato do ninho e tamanho dos ovos suspeitei que se tratasse de um curiango, ave que faz a postura no chão e não se preocupa com a arquitetura da construção, já que o seu ninho é apenas um buraco no chão junto ao capim e folhas secas.

Como o sol ainda estava forte, resolvi continuar a caminhada e voltar ao entardecer para observar melhor. Quando retornei era quase noite e pude admirar um casal de curiangos tomando conta do ninho. Muita gente confunde o curiango com o urutau, mas são aves bem diferentes quanto ao tamanho e canto. O urutau vive em galhos de árvores, palanques e postes, enquanto que o curiango passa a maior parte do tempo no chão, nas beiras de matas, capoeiras e pastagens. Também é conhecido como bacurau, carimbamba, mede-léguas e engole-vento. Devido ao seu canto, em algumas regiões é chamado de “amanhã-eu-vou”, tendo sido citado com esse nome numa música de Beduíno e Luiz Gonzaga, gravada em 1951.

O curiango tem hábitos noturnos e durante o dia é muito difícil de ser visto, pois fica camuflado entre folhas e gravetos secos e, ao ser importunado, sai rapidamente do lugar em busca de outro esconderijo. Mas quando começa anoitecer a sua atividade torna-se intensa, dando voos curtos a partir do solo, para capturar borboletas, mariposas, besouros, mosquitos e outros insetos. Segundo os cientistas, o curiango não sofre risco de extinção, por ser um pássaro pouco conhecido e que consegue conviver com a invasão moderada do homem ao seu habitat. Mas assim como os quatis, gambás e tatus, não irá sobreviver se as construções humanas tomarem conta do espaço e se tornarem predominantes na paisagem. Tomara que isso demore a acontecer por aqui!

Gerson Antonio Melatti – Leitor da Folha