Durante a pandemia de Covid-19 muita gente tem ficado em casa a maior parte do tempo. Embora algumas autoridades apontem que isso esteja errado, resolvi acreditar no isolamento social e só tenho saído de casa para fazer algo importante. Coisas mais simples e rotineiras, como tomar café na padaria, almoço em família ou ir ao bar encontrar com os amigos, há muito tempo não acontecem.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| Ora-pro-nóbis
| Foto: Marco Jacobsen

Uma solução encontrada foi a entrega de comida por delivery, o que atende às necessidades mas não tem o sabor de ir a um restaurante, bar ou pizzaria. A última vez que minha esposa e eu saímos foi há mais de um ano, quando nossos amigos Ângela e Fernando convidaram para ir a um charmoso restaurante cujo cardápio é direcionado ao consumo de PANCS – Plantas Alimentícias Não Convencionais. Eu já sabia que essas plantas, que alguns consideram apenas o mato, fizeram parte da alimentação humana em outros tempos e que foram sendo substituídas ao longo dos anos por alimentos com maior interesse comercial.

Também tenho conhecimento de que a gastronomia tem voltado sua atenção para a utilização de produtos orgânicos, alimentos frescos e ingredientes que valorizem a cultura e receitas regionais. Chegando ao restaurante logo notei a grande variedade de plantas utilizadas no cardápio: bertalha, taioba, dente-de-leão, cará-moela, serralha, ora-pro-nóbis, hibisco, peixinho, capeba, azedinha, almeirão, capuchinha, alfazema, beldroega, cambuquira e outras. De entrada pedimos salada de almeirão roxo, com beldroega e capuchinha. O prato principal foi canjiquinha com costelinha de porco e ora-pro-nóbis, acompanhado de folhas de peixinho fritas. Para a sobremesa a escolha foi pudim de capim limão.

A opção pelo prato com ora-pro-nóbis foi do casal de amigos, devido ao fato de serem mineiros, ela natural de Belo Horizonte e ele, de Viçosa. Para atender a minha curiosidade, durante o jantar eles nos contaram sobre essa planta que carrega fortes elementos da tradição mineira. Disseram que a planta é originária do continente americano, sendo bastante consumida no sudeste brasileiro, especialmente em Minas Gerais, onde existem diversas estórias sobre seu surgimento.

A mais popular é a de que o nome ora-pro-nobis (que em latim significa “rogai por nós”) teria sido criado por pessoas que colhiam as folhas no quintal da igreja católica da cidade de Sabará, enquanto o pároco rezava uma ladainha, cujo refrão em latim, Ora-pro-nobis, era repetido a cada invocação. Como o povo não entendia latim, passaram a chamar a planta de orabrobó, lobrobó ou lobrobô.

Outra versão, defendida pelos historiadores, alega que sua origem remonta aos tempos coloniais, revelando que na igreja matriz de Sabará havia grandes moitas de ora-pro-nóbis, mas os padres não permitiam que fossem colhidas pois devido aos seus espinhos eram usadas como cercas-vivas. Os escravos no entanto, motivados pelo valor proteico da planta, aproveitavam a longa duração das ladainhas na igreja para colherem as folhas.

Atualmente o ora-pro-nóbis é largamente utilizado pelos chefes de cozinha de todo o Brasil como ingrediente de vários pratos, a maioria deles oriundos da culinária das cidades históricas de Minas Gerais. Dias depois do jantar, descobri que em Sabará, acontece desde 1997 o Festival Gastronômico do Ora-pro-nóbis, atraindo milhares de pessoas de diversos lugares do país e exterior. Sempre realizado no mês de maio, já completou 22 edições, mas em 2020 e 2021 as festas foram canceladas em razão da pandemia. Tomara que essa crise humanitária e sanitária termine logo para, quem sabe um dia, possamos ir junto com Fernando e Ângela, comer frango caipira com ora-pro-nóbis no Festival de Sabará.

Gerson Antonio Melati, Leitor da FOLHA