Não faz muito tempo que ir para áreas rurais a trabalho se tornou uma rotina muito prazerosa na minha vida. Os dias que eu posso ir até o local acompanhar a rotina de uma plantação, de um sítio, de uma fazenda, seja grande ou pequena para mim é uma experiência sem igual. Sinto como se minha criança interior, curiosa, cheia de vontade de aprender, subisse à superfície do meu Ego, deixando de reinar no eu inconsciente apenas para me sorrir ao tirar leite da vaca, comer mel direto do pote de cera das abelhas na fazendinha, conversar e aprender com os produtores enquanto ando sobre o chão irregular de terra batida.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| O Aceno

Meus pés são de mulher adulta, profissional, meus passos são da menina criada em asfalto que sonhava em morar nas florestas e conhecer as lendas dos causos do campo. As histórias assustadoras no pé da fogueira, as histórias SyFy, ficção científica de primeira nas beiras do rios, contadas pelos pescadores. Não estou dizendo que se sejam, estas narrativas, mentiras. Não me leve a mal, leitor, só estou testemunhando da qualidade ficcional dos cantos dos ribeirinhos.

Me encanta a atmosfera simples na qual os problemas da cidade de pedra ficam tão longe, tão longe, do corpo e da mente, que a rede falha de internet deixa de importar. As cores do céu, das porteiras, da poeira no carro de imprensa, o verde das folhas, o tom madeira de cada caule. E os cheiros? uma miscelânea de sensações. O cheiro de terra, de água, de ar sem poeira de cidade; por vezes de fumaça de mato queimado, café moído, orvalho, até no cheiro do silêncio se sente um gosto diferente, doce, que se interrompe na cantoria do grilo e da cigarra cuja "banda" toca para a formiga trabalhar, reza a lenda.

Muito eu tenho aprendido nessa função de ouvir e contar histórias no jornalismo diário, mas no campo - não querendo que meu bucolismo soe piegas (ou cringe, como dizem os mais novos) - foi onde eu aprendi sobre as riquezas de se estar vivo, do companheirismo e da amável sociabilidade - e era aqui que eu queria chegar. Tudo no trabalho com o jornalismo de agro me enriquece, mas o que mais me encanta até hoje, e é gatilho para minha criança interior saltar no peito é o aceno. Do banco de trás do carro de reportagem, com a expressão pueril levanto minha mãozinha para cima e esboço uma interjeição de cumplicidade, que copio de outros que eu vejo pela estrada.

Aooooo

Oooooo

Opaaaa

Do trator, caminhão, pampa, cavalo, bicicleta, a pé, motocas vem as respostas.

Opaaaa

Oooooo

Aooooo

E eu vou me embora ou adentro (d)esse universo com a sensação quentinha de acolhimento, pertencimento. Como se o aceno fosse a porta de entrada (ou saída) para grandes aventuras.

Patrícia Maria Alves é editora na FOLHA

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