Parece que foi ontem que acordei revivendo essa cena tão familiar! Mas a cena já fazia parte do “passado”. Era bem assim: eu deitava e adormecia imediatamente até que risadas cristalinas me despertavam no meio da noite...também os acordes de um violão e umas vozes doces...e mais risadas. Já havia me acostumado com isso. Ia para a cama cedo, cansada pelo dia de trabalho que também havia começado cedo. Aqui em casa os horários de estudos adiantavam -se pela noite, com uns pequenos intervalos para rir, cantar, tocar violão, comer alguma coisa.

Assim as filhas preparavam-se para o futuro...De forma nenhuma eu me importava, pelo contrário, como fazia bem acordar, sentir que estavam bem perto, seguras, felizes, sob as minhas “asas”. E era assim também que, ouvindo as conversas cochichadas( “não vai acordar a mãe! “) os passinhos no corredor, as visitas à cozinha para um lanchinho, novas risadas, músicas, novos acordes... que eu tornava a adormecer. Nem precisava abrir os olhos para vislumbrar essa linda cena de família!

Imagem ilustrativa da imagem Dedo de Prosa| Cenas de família
| Foto: Marco Jacobsen

As lembranças são tão tocantes que remetem a uma outra cena, voltando alguns anos atrás. Ao tempo de juventude, quando estudávamos o curso médio, mais precisamente técnico em contabilidade, no antigo Colégio Comercial Estadual na vizinha cidade de Santa Fé. Eu, meu irmão gêmeo José Carlos e minha irmã Maria Luiza chegávamos tarde do colégio. Vínhamos na Perua Rural do nosso vizinho Oscar Marega, com mais alguns colegas. Sentávamos aos pés da cama de minha mãe para contar as novidades, que eram tantas... ríamos muito, contávamos coisas, conversávamos, até que ela falava que era tarde e que tinha deixado alguma coisa para comer, no fogão.

Era como se fosse uma volta ao ninho dos passarinhos que, aos poucos, ganhavam o mundo para aprender a viver mas que sempre tinham um lar seguro para voltar.

O maestro tempo vai regendo as nossas vidas, traçando novos acordes, dando asas, transformando os caminhos, assim como transformou os de nossos pais e avós. Antes, éramos filhos, hoje tornamo-nos pais, já somos avós. As conversas à beira da cama, em volta da mesa, aconchegados no sofá parecem tão distantes!

Mais longe ainda as conversas quando se chegava de viagem, no terreiro, as reuniões à luz das lamparinas e dos lampiões. As crianças caindo de sono, nos colos, enquanto os tios e tias conversavam, contavam as novidades. Era muita gente, muitos primos, muitos tios, muitos vizinhos e muita alegria.

Hoje a cena quase não se repete porque agora os ninhos se tornaram vazios, muitas pessoas queridas voaram para longe, outras para sempre, e outras ainda foram voar por aí. Sem falar que as pessoas têm preferido falar no celular...

Mas quando a noite chega, mesmo na ausência de tantas pessoas, as lembranças são bálsamos que tratam esse espaço vazio e vão desfilando, desfilando. São risos, são conversas, são imagens que vem acariciando nossos corações, contando a nossa história nos seus ciclos, no seu tempo e nos dando a certeza de que valeu a pena viver em uma família.

Estela Maria Frederico Ferreira é leitora da Folha

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