DEDO DE PROSA: Caçador de traíras
PUBLICAÇÃO
sábado, 04 de março de 2023
Gerson Antonio Melatti
Naquele sábado saímos cedo de Londrina para passar um final de semana na represa Capivara, no distrito de Ibiaci, que fica próximo de Primeiro de Maio, na região norte do Paraná. A ideia era aproveitar o final do verão junto com a família, num lugar agradável e longe da agitação da cidade. Se houvesse condições de pescar, seria melhor ainda, porque já tinha acabado o período de defeso da piracema e nossas licenças de pesca estavam em dia.
Passamos por Sertanópolis, paramos para visitar a Capela de Santo Antônio e logo chegamos em Ibiaci. Já na chácara, meu irmão Laércio e o seu compadre Augusto foram montar as barracas para acampar. Como eu não tinha equipamentos de camping, aceitei o convite para ocupar um quarto na casa do Otacílio, que era o empregado que tomava conta do lugar. Embora a agricultura e pecuária predominem naquela região, a paisagem é muito bonita e pode-se observar espécies como gambás, capivaras, tatus, quatis, patos, marrecos, socós e seriemas.
Quanto aos peixes, os mais encontrados na represa são a corvina, tucunaré, barbado, piapara, curimba, piranha, piauçu e lambari. Enquanto eu e minha esposa fazíamos o almoço, meu irmão e seu compadre foram arrumar as tralhas de pesca e preparar as iscas. Houve até um exagero com relação a isso, porque tinha vários tipos de iscas: salsicha, camarão, minhoca, tripas de galinha, miúdos de boi, goiaba, pitanga e até pão de queijo assado.
No meio da tarde estávamos embarcados e seguimos para um lugar onde o Otacílio costumava fazer “cevas”. Começamos a fisgar corvinas e alguns bagres, conhecidos como “mandi chorão”. Tudo indicava que a pescaria seria bem sucedida. Mas logo o tempo virou, de repente começou a escurecer e formar grandes marolas. Como o Otacílio era um pescador experiente e sabia do perigo do temporal que se aproximava, rapidamente conduziu o barco de volta à margem. Mal deu tempo de recolher a embarcação e guardar as tralhas porque logo desabou uma chuva grossa, típica de verão.
Desanimados com a pesca, o Laércio e o Augusto resolveram preparar um churrasco, beber cervejas e tocar violão. Eu não me dei por vencido e, tão logo passou a tempestade, resolvi pescar traíras na lagoa da chácara. Passei bastante tempo tentando fisgar algum exemplar e já estava desistindo quando o Otacílio chegou e me disse para largar mão de pescar, porque iríamos “pegar traíras” à noite. Como ele era pescador e conhecia bem o lugar, eu obedeci.
Depois da janta ficamos cantando e já era meia noite quando o Otacílio nos chamou para pescar. Meu irmão e seu compadre não quiseram ir e ficaram bebendo e cantando. Achei estranho porque ele não trazia nenhuma vara ou tralha de pesca, apenas uma lanterna e o facão.
Enquanto andávamos em direção à lagoa, ele foi me explicando que a pesca consistia em focalizar os peixes com a luz do farolete e abatê-los usando o facão. Contou que à noite as traíras costumam ficar nas partes rasas das margens da lagoa, para se alimentar dos lambaris que ficam por ali “dormindo”.
Ao chegarmos na beira d’água ele começou a procurar os peixes usando o farolete, sem fazer barulho. Assim que avistava algum de bom tamanho, batia com o dorso do facão na direção do peixe. Fiquei impressionado com a técnica e precisão do Otacílio. Não errava uma bordoada. Em seguida, eu recolhia a traíra com o passaguá e colocava no embornal. Em menos de uma hora demos uma volta inteira na lagoa e “pegamos” uma dúzia de traíras, suficientes para a alimentação da turma.
No dia seguinte a janta foi traíra frita com polenta e “serraia”. O meu irmão quase não comeu, estava sem apetite, tomando chá de boldo e alegando que alguma comida da noite anterior não havia lhe caído bem.
Gerson Antonio Melatti, leitor da FOLHA