DEDO DE PROSA: Binga
PUBLICAÇÃO
sábado, 31 de dezembro de 2022
Dailton Martins
Só quem é mais velho deve se lembrar desses antigos isqueiros. Era o tal de binga. Ainda deve ter muitos por aí. Lembro quando era criança e o pessoal do sítio fumava um cigarro paiero, que era o cigarro de palha de milho enrolado com fumo de corda picado com um canivete de lâmina grossa na ponta e cabo de osso.
A binga era de metal e abria a tampa. Tinha um reservatório com algodão para o fluído que era o combustível. Tinha uma pedrinha para dar a faísca e pegar fogo. Enfim, era trabalhoso! Depois que os cigarros paiero ficaram meio ultrapassados apareceram os cigarros feitos industrialmente. E para quem gostava ainda tinha os cigarros sem filtro.
Não vou me adiantar sobre os efeitos do cigarro no organismo pois já é amplamente conhecido o efeito nocivo que faz à saúde. Antigamente muita gente fumava desde cedo, muitos achando que era coisa para adulto, coisa de gente grande.
Os filmes do cinema naquela época mostravam muitos artistas famosos fumando, então isso dava uma falsa impressão de status. Não havia campanhas contra o tabagismo ainda e parecia não haver muitos estudos conclusivos sobre os efeitos do fumo no organismo.Era outra época bem diferente da atual.
O pessoal da roça usava o paiero pra dar uma pausa no serviço pesado.Terminava-se de carpir um carreador debaixo daquele sol quente, encostava-se a ponta da enxada debaixo do sovaco numa sombra qualquer e davam-se umas baforadas olhando o trabalho que já havia sido feito e o que haveria de fazer.
Bebia-se um gole de água de moringa de barro numa canequinha de alumínio ou esmaltada e com um trincado no canto e dali saía um bate papo pra onde ia o serviço dali em diante e até o final do dia. Lá se ia de novo para a lida.
Uma faina que não terminava nunca naquele mar de cafezal, cultura preponderante de outrora. Ninguém saía sem um pente flamengo e um lenço no bolso. O chapéu pra proteger a cabeça do sol - ningém falava em bloqueador solar, essas coisas pra evitar câncer de pele. Ninguém nem sabia direito sobre isso,nem de camada de ozônio.
Era levantar cedo e partir pro serviço. Sendo empregado ou patrão, todo mundo pulava miúdo, como se dizia, para fazer o serviço do dia. Pra comer, vinha lá pelas nove horas mais ou menos o almoço, pois nesse horário já se tinha trabalhado muito e não dava muito tempo de descansar. Eram, normalmente, caldeirõezinhos amarrados em panos tão limpos que dava até dó desamarrar, trazidos, muitas vezes por alguns dos irmãos mais pequenos. Um arroz, feijão e abobrinha quase sempre tinha.
Dizem que a melhor mistura é a fome. Quando se está com fome tudo fica mais saboroso. E se alguém achava um pé de serraia no caminho então, que beleza!
O serviço na roça tinha suas recompensas. Um pé de fruta temporão ou uma pequena melancia debaixo de um pé de café também dava muita alegria. Pequenas coisas tão simples e tão boas para quem vivia no dia a dia da roça.
A binga, bem, a binga era só mais um acessório assim como o chapéu, que depois da posse de John Kennedy em 1962 caiu em desuso, o cinto no lugar do suspensório caiu de moda também, o pente que depois dos Beatles foi ficando esquecido com os cabeludos do iêiêiê, o lenço no bolso depois da música do Caetano Veloso “sem lenço sem documento” já não fazia mais sentido assim como o espelhinho oval que era tão comum no bolso.
É, os tempos mudaram, muita gente saiu da roça e foi pra cidade, acabou-se o binga, a enxada foi tomada pela tecnologia no campo, grandes caminhonetes trocaram de lugar com as carroças puxadas por cavalos e já não se usam mais os limpa-pés de enxada nas portas das vendas com aquele pó de serra em dias de chuva.
Telefone era só aqueles nos lugares mais importantes e pra ligar tinha uma telefonista fazendo as ligações, às vezes demorava dias pra conseguir falar com alguém. Hoje tudo é rápido, quase instantâneo. Os costumes mudaram, a vida mudou e parece que muita coisa ainda vai melhorar pois a esperança é sempre um alento em todos os tempos.
Dailton Martins, leitor da Folha de Londrina