Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| As crianças, os cachorros e a cabana improvisada
| Foto: Marco Jacobsen

Os carrapichos agarrados às meias, umas picadas de borrachudo e as bochechas vermelhas. Assim a turminha volta para casa depois de uma tarde inteira de brincadeiras ao ar livre em uma chácara na zona rural de Londrina. O cansaço dá as caras no dia seguinte: quando Julia, 11 anos, reclama de dor nas pernas em uma tentativa de driblar as outras obrigações. É uma criança de apartamento, sem área de lazer, mas quando a bichinha está no meio do mato, se entrega. Sempre foi assim e o pé cascudo, segundo o pediatra, é um bom sinal. Anos atrás disse que nem precisava relatar, mas a criança brincava descalça, estava com o pezinho todo grosso depois das férias - e o doutor elogiou mãe e filha.

A piscina, a represa e até os banhos no tanque sempre foram uma diversão para a pequena que desde os primeiros passos, prova que é do balacobaco. Gosta da vida, tem muito amor próprio e se deixar, só quer a fatia do lazer. Entre a água doce e a do mar, prefere a primeira. E usar o colete é prática que obedece, felizmente. Descobriu diante do choro do cachorro ao vê-la brincar na água, que o pet também é fã de água. Então fomos atrás de um colete para o Capitão. Ele acompanha as meninas com habilidade de roubar a cena entre banhistas. Mascote para todas as horas e situações.
Um dia, ao atravessar o bosque Marechal Cândido Rondon, na área central de Londrina, resmungou: "A mãe da Peppa é mais legal que você. Ela deixa ela pular nas poças de lama", e me roubou um sorriso. E no dia seguinte, fizemos a travessia com as galochas. Uma simplicidade tão grande e uma alegria sem medidas. De poça em poça, a explosão de água com terra vermelha tinha até efeito especial. Peppa Pig é personagem de um desenho animado. Muitas famílias desaprovam o comportamento da porquinha, pois é cheia de opinião e fala o que dá na telha. Noto que Ju tem filtro e embora não acompanhe mais os episódios, conforme a maturidade foi adotando novos "ídolos" e de maneira muito saudável consegue equilibrar o gosto pelas telas e a vontade de estar em cenários reais - o cheiro de esterco, o corre-corre das galinhas e uma colheita de jabuticaba com direito a ficar com as mãos, pés e roupa tingidos são sinônimo de felicidade para a menina da cidade.
Conhece capim-cidreira. De longe, só de olhar, sabe o que é citronela e o que é o capim fresquinho. O chá morninho ou o suco refrescante que vem da touceira que a mãe cultiva com satisfação também conquistaram Julia, as primas e até as amigas. Enquanto preparo a bebida quente, o perfume se espalha e a turminha já sabe que vai ter pipoca com chá. Fazem cabaninhas improvisadas com cobertores e cadeiras, acendem uma luminária e, dentro de casa, longe da TV e fugindo da chuva que molha o gramado, as hortas e traz um cheiro terra, criam um universo mágico e até os cachorros querem participar. Theo, Nina e Capitão entram na cabana, esperam pela pipoca e ficam misturados às gargalhadas. Parar a brincadeira parece impossível e enquanto a bexiga não está prestes a explodir, não param. A disparada para o banheiro é só um sinal de que não havia mais como adiar a parada.
A prima Lívia é companheira fiel e ensinou às primas a gostarem de rabanete. Puro, com uma pitada de sal ou mais um temperinho, o tubérculo não pode faltar em suas refeições. Para o seu paladar, o rabanete não é ardido. É simplesmente saboroso e desconfia-se que a cor do legume foi o principal atrativo para esse virar o seu favorito. "É rosa", diz Lívia.
A convivência entre as primas enriquece o vocabulário, a gastronomia e, na mistura de sotaques, todas se entendem. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, vão do tablet para a caminhada com os cachorros e sabem fazer comidinhas com terra, capim e água. Compartilham com sabedoria brinquedos e sabem conciliar a liberdade do campo, as regras dadas pelos pais e os encontros nem sempre previsíveis. A pandemia as afastou. A distância que já era uma realidade ganhou um plus. Por segurança. São 700 quilômetros entre uma casa e outra, mas a sintonia é tão grande que quando se veem, é como se tivessem passado a tarde anterior juntas. Logo que chega, Lívia junta as vagens que caem das árvores para brincar com as primas e rapidinho estão com as barquinhas na água. Os cachorros se estranham um tanto á primeira vista e com o passar das horas estão farejando uns aos outros e fazem as pazes. Para felicidade de todos e para a harmonia do ambiente. Na hora que algum adulto se vê em apuros na cozinha é só pedir uma vez e lá se vão Julia e Lívia colher limões no pé do vizinha e voltam com as camisetas dobradas, feito bolsões da colheita.
Walkiria Vieira é repórter na FOLHA