Em minha casa durante muitos anos, tivemos uma antiga máquina de escrever de marca Royal. Segundo pesquisei na internet, de 1914. Desde que me conheço por gente aquela máquina de escrever já fazia parte de nosso humilde mobiliário, dentre os quais também gostava de uma escrivaninha, uma estante de livros e um baú de madeira que tinha um cadeado quebrado que não trancava de jeito nenhum – acho que minha mãe deu fim na chave pra gente não brincar nele e ficar preso dentro.

A máquina de escrever ainda movia as teclas e fazia o barulho no final do carrilhão quando terminava a linha. Naquela época, as máquinas ainda estavam sofrendo algumas modificações .Depois vieram as que em geral conhecemos com os tipos mais atualizados como a Lexikon 80 e outras.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA: A velha máquina de escrever
| Foto: Dailton Martins

Mas no geral dava pra brincar. Meu pai deixava à vontade. Gostava de comprar livros de coleções e ter um dicionário Aurélio pra gente estudar em casa; embora fosse de origem humilde, achava importante aprender de tudo um pouco e os livros, além de cultura para os nossos estudos e trabalhos escolares, eram uma espécie de lazer relaxante, principalmente para ele que era padeiro e às vezes varava a noite trabalhando quando faltava algum funcionário na padaria.

A máquina de escrever ficava lá num canto da sala ou em cima da estante de livros que faltava um vidro na frente. Provavelmente arte de algum de meus irmãos, afinal, a televisão eu já tinha trincado a tela logo no primeiro dia em que meu pai a comprou, pois fui pegar um chapéu que estava em cima. Acho que só tinha pagado a primeira prestação.

Mas não apanhei, pelo contrário, foram me socorrer pois televisão naquela época era de tubo e muito pesada. Assistimos televisão com um trincado em forma de interrogação na tela por alguns anos. Mas sobrevivemos aos raios eletrônicos que vazaram dali!

Compramos depois de alguns anos uma televisão nova mas a máquina de escrever ficou lá. A máquina de escrever parecia até que já fazia parte da família. Os anos foram se passando e cada um foi casando e os netos a viam como brinquedo. A máquina parecia sorrir e às vezes soava o tilintar da campainha quando dava certo de apertar as teclas corretas.

Quando as crianças iam embora e um certo silêncio reinava na casa dos avós, se é que lá em casa havia algum silêncio, pois a gente conversava muito, a máquina de escrever ficava sozinha ali no seu canto a novamente esperar alguém arrumar o carrilhão esticado até o final e colocá-la sobre a mesma toalhinha de renda de sempre.

Reinava absoluta em seu silêncio de objeto cultural e empoeirava nos anos que a oxidavam. O tempo é assim com tudo e com todos, humanos e máquinas e nada escapa ao seu furor. Fico imaginando o quanto aquela máquina de escrever registrou em sua vida útil. E penso se, em todo o seu tempo ,ela não foi mais feliz quando esteve conosco, se é que um objeto inanimado pode ter felicidade ou mesmo se é só o nosso sentimento em relação aos objetos que traduzem o sentimento de felicidade.

Do que sei sobre a nossa velha máquina de escrever é que fui feliz na minha infância batendo em suas teclas e me imaginando um escritor como naqueles velhos filmes em preto e branco da antiga Holywood que eu gostava tanto de assistir.

Dailton Martins, leitor da FOLHA