Quando criança, na década de 60, morávamos em uma pequena cidade onde eram poucas as áreas ou atividades de lazer para as crianças. Mas a criatividade delas era imensa. Fazíamos os carrinhos de rolimã para descer a única rua asfaltada da cidade. Aliás, o “japonês Guido”, dono da oficina, sempre com carinho nos dava os rolamentos velhos.

As pipas ou papagaios eram feitos por nós. Até hoje não sei o porquê que essa mania de soltar pipas sempre ocorria no mês de julho. Será porque ventava mais nesse mês? Nadávamos no rio perto da serraria do “nipônico”, no ribeirão Peroba.

Caçávamos nos cafezais, armavam arapucas para pegar passarinhos. O seu Jaime, que trabalhava na empresa de ônibus, sempre nos presenteava com as velhas câmaras de ar para fazermos os estilingues. À noite, junto com as meninas, era hora de brincadeiras como passar anel, pé na lata, balança caixão.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA: A caixa d’água
| Foto: Marco Jacobsen

Também tinham os olhares para as meninas. A Zuleide, uma menina moreninha, magrinha, bem bonita, era a mais paquerada, mas muito “bravinha”. Era amiga inseparável de japonesinha Zulmira. Mas tinha os grupos de molecadas que volta e meia brigavam. O grupinho da rua Peru era muito unido. Tinha o Valdomiro, que orgulhosamente se auto intitulava “Pelé”, mas era ruim de bola; tinha o Nelsinho "cara chata"; o Rui, que era o Japonês; o Polenteiro, que era eu; o Marcel, que era filho do médico, Dr. Júlio.

Nos finais de tarde nos reuniamos no campinho e lá jogávamos. Naquela época não tinha esse negócio de “bullying”. O Marcel era o único que tinha um tênis kichute e trazia a bola. Não me perguntem porque ele jogava, pois de bola pouco sabia. Após as peladas, sempre íamos para a casa do Marcel, pois sua mãe, muito educada, Dona Déia, fazia um chá mate gelado e batia no liquidificador. Que delícia. Acho que era a única família na cidade que tinha um liquidificador.

Mas o que mais recordo, era no verão, a noite íamos nadar na caixa d’água da cidade. Devia ter uns 20.000 litros e ficava em uma casinha coberta de telhas. Seu Juvêncio era o responsável do local. Ao entardecer, ele ia embora e aí a molecada partia para lá. Um subia e travava a boia e ficávamos esperando o nível da caixa abaixar. Aí entravámos pelados e nadávamos.

Certo dia, o Serjão, que tinha uma mecha branca no cabelo, tinha encrencado com o Rui e foi lá e jogou toda a nossas roupas dentro da caixa. E como voltar para a casa todo molhado? Nem vou contar o resultado disso. Dr. Júlio, que já era o prefeito, além de médico, descobriu tudo e deu a maior confusão na pequena cidade. Nunca mais voltamos à caixa d’agua.

Anos depois voltei a nossa pequena cidade onde já não existe mais a velha caixa d’água, nem meus queridos amigos. Ah, outro dia vi meu velho amigo Marcel, com um maravilhoso jeep da segunda guerra.

Sidney Girotto, médico.