Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA - As gentilezas do campo
| Foto: Marco Jacobsen

Desde cedo, por sempre morar no ambiente rural, aprendi a gostar das coisas simples da vida: árvores majestosas e centenárias, lavouras em plena produção, o cheiro da terra quando as primeiras gotas das chuvas principiam a irrigação, os animais soltos a pastar, pássaros fazendo a maior cantoria nas copas das árvores, riachos serpenteando o solo, bicas d’água jorrando a mais cristalina e saborosa das bebidas!

Meus pais trabalhavam num sítio como meeiros em uma pequena cidade do interior do Paraná. Distava alguns quilômetros da cidade onde ia poucas vezes buscar uma ou outra coisa. A casa onde morávamos era de madeira (provavelmente peroba rosa) erguida sobre palanques de modo a formar um porão que servia de abrigo para os cachorros. Os assoalhos rangiam a cada passo que dávamos ao passar de um cômodo para outro. Nossos colchões eram feitos de palha de milhos colhidos por papai. As frestas nas paredes deixavam o vento fresco entrar e permitiam sair os pequenos fachos de luz das velhas lamparinas.

No terreiro haviam grandes paineiras que proporcionavam a mais fresca das sombras. Debaixo delas bancos de madeira serviam de sala de estar para as poucas visitas que recebíamos. Na época de florada, as plumas caiam ao chão e eram graciosamente levadas pelos ventos fazendo um balé lindo de se ver. Nossos travesseiros eram confeccionados com as painas recolhidas e cuidadosamente limpas – um conforto que dava gosto! Mamãe usava vassoura de guanxuma para remover as folhas que caiam num capricho que dava orgulho!

As galinhas andavam soltas e faceiras a riscar o chão em busca de alimentos para seus pintainhos enquanto os porcos faziam barulho no chiqueiro. Uma égua branca e algumas cabeças de gado ficavam no pasto que circundavam a velha casa.

Mas havia nos sítios um momento em que a solidariedade entre os vizinhos mais próximos era colocada em prática vez ou outra: o dia de matar porco. Como a tarefa demandava grande esforço, ciência e agilidade, havia um combinado entre os “cumpadi” para que a tarefa fosse executada a contento. Era uma verdadeira cerimônia cercada de um certo ritualismo onde cada um dos envolvidos cedia parte de seu conhecimento para a execução do ofício. Facas afiadas, tachos e vasilhas limpas, água fervendo, palhas secas prontas para sapecar o animal depois de morto...tudo era cuidadosa e previamente preparado.

E ali, o dia todo, muitas vezes em silêncio, se debruçavam na tarefa de descarnar o animal de modo a aproveitar tudo que ele pudesse fornecer: “ da orelha até o rabo o que se perde é só o grito” – como costumavam dizer! Costelas, pernil, paleta, miúdos, cabeça, sangue para o chouriço. Tudo era colocado sobre uma enorme mesa tendo como toalhas folhas de bananeiras.

Ao fim dos trabalhos, depois de horas exaustivas, tudo estava pronto. Um grande tacho fritava pequenos pedaços de carne na própria banha que mais tarde seriam armazenados em latas para que durassem vários meses. Aquele cheiro inebriava as mais tímidas lombrigas... e já podíamos esperar que em um pequeno caldeirão não tardaria alguém trazer algum pedaço de carne fresca. Esta era a paga do dia. O que contava mesmo entre os “cumpadi” era a solidariedade e o prazer de compartilhar seus dons. Sabiam que em outra circunstância, seja ela qual for, poderiam contar com a ajuda do outro como se fosse um dever moral retribuir a ajuda obtida. Assim era a vida na roça! Simples e feliz!

Valdinei Franco é leitor da FOLHA