Eu já ia recolher a última mesa e as quatro cadeiras, quando um carro seminovo entrou no pátio adentro e aproximou-se da mureta que separa o pátio (onde os carros dos fregueses ficavam estacionados, em torno de mais ou menos quinze veículos) dos dois salões, onde ficam expostas as mesas e cadeiras. O pátio da frente tinha um piso cimentado rústico e o salão de trás era coberto, e todo forrado, iluminado e o piso revestido de cerâmica.

Chegávamos lá para trabalhar, mais ou menos às 16 horas, e não tínhamos horário para fechar, enquanto houvesse gente lá, estávamos nós, eu e a esposa, nossos três filhos, Tamara, a mais velha; Gilmara, a do meio; e o mais novo, João Rogério Caldeirão, e mais dois funcionários. Os três filhos iam um pouco mais cedo para casa, por causa da escola.

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Às sextas-feiras era o dia de maior movimento devido o rodízio que fazíamos todas as semanas, e o povo já acostumado, era difícil de falhar, quando um não vinha, outro o substituía. Acomodávamos em torno de cem pessoas.

A cidade de Sertanópolis, naquela época, acumulava umas quinze mil pessoas. Voltando a falar dos filhos: hoje, não moram mais comigo, cada um tem seu lar. A Gilmara, advogada em Londrina; A Tamara também em Londrina, como chocolateira, e o filho está nos "Estates".

Chegamos de São Paulo há mais ou menos, cinquenta anos e daqui de Sertanópolis não arredamos o pé, apesar de pequena é acolhedora e simpática. O comércio não é grande, mas vai dando para se viver. Eu e minha esposa, agora, estamos aposentados e ela atende quem quiser uma pizza: é caprichada como antigamente. A pizzaria Las Vegas vive até hoje, na avenida principal. O dono é outro, mas fazemos ela em casa.

O rapaz desceu do carro preto que vinha dirigindo e veio até mim, com um largo sorriso contagioso e perguntou-me se eu era proprietário e se ainda haveria possibilidade de ser atendido. Disse-lhe que sim e lhe estendi dois cardápios, só que naquela hora, já não fazíamos mais pizzas.

Agradeceu-me a gentileza e disse que vinha vindo da cidade de Maringá e não parara em lugar algum com receio de ser assaltado, e que tinha tido notícias boas do nosso atendimento num posto de gasolina, ali perto. Eu o atendi com a delicadeza que me era peculiar e lhe disse se queria ser atendido ali mesmo ou preferia o salão de festas. Respondeu que ali estava bom. Sentou-se e abriu o cardápio e escolheu o lanche que queria comer e solicitou um refrigerante. Com o lanche e os apetrechos servidos, fechei as portas do salão e deixei o moço se alimentar em paz, sem pressa. Ao notar que ele tinha terminado de lanchar, perguntei-lhe se estava satisfeito e para onde ia agora.

Elogiou o lanche e que agora ia pegar o caminho de casa ou ia dormir aqui em Sertanópolis. Disse que fora resolver um problema de uma editora em Maringá com problemas financeiros. Informei-lhe que eu já mantivera contatos literários com uma editora de São Paulo que ela se chamava Editora da Tribo e que ela trabalhava mais com agendas que é a coisa mais linda do mundo, que além dos fragmentos poéticos é toda ilustrada com desenhos satíricos da primeira folha até a última, e que os poemas eram editados por escritores e poetas consagrados por todo Brasil, inclusive eu, João Caldeirão, Leminski, Nelson Rodrigues, Chico Buarque, Rubem Braga, Adélia Prado, Alice Ruiz Verissimo, Domingos Pellegrini e não sei quantos mais. E a cada fragmento, várias agendas.

Certa vez, recebi cento e vinte agendas, que algumas eu vendi e outras eu doei e presenteei, e tenho algumas de outros anos; mas não sei porque deixamos de nos corresponder, coisa que sinto muito.

Então disse-me o rapaz

- O sr. não vai dizer-me que é o poeta João Caldeirão, o poeta da Tribo?

- Pois ele está na sua frente, em carne e osso e espirito.

- O sr. me permite lhe dar um abraço, como jamais dei em alguém?

- O prazer é todo meu

- É muito bom receber os comprimentos, elogios e parabéns de alguém que não conhecemos e que mora tão distante e que é nosso fã, é um verdadeiro presente este seu abraço.

Ele foi até seu carro e pegou um caderno e pediu-me que, por gentileza, o autografasse, que queria mostrar para seus amigos, familiares e conhecidos. Vou voltar para a minha São José do Rio Preto, com o coração transbordando de felicidade, e que Deus te ilumine cada dia mais e que os anjos não se esqueçam de dar-te inspirações tão bonitas como essas que tenho escrito.

Depois de dizer-me que se chama José, eu lhe convidei para fazer-me uma visita um dia, que iria mostrar-lhe meus troféus e livros que ganhei e editei a sós e outros, com coletânea.

-Vá com Deus.

Um fragmento meu inserido numa das agendas

“Quem tem um amigo tem uma pessoa a mais”

João Caldeirão, leitor da FOLHA