O amor muda com o tempo?

Desde que o mundo é mundo o amor parece o mesmo. Os casais se amam no início e com o tempo o fogo da paixão se torna pés com meias perto de uma lareira quente e acolhedora num dia frio de inverno.

Imagem ilustrativa da imagem Amores novos e amores antigos
| Foto: istock

O amor se torna mais companheiro e mais cheio de afetos.

Antigamente o amor era demonstrado com muita discrição. Não se via muito abraço e beijo como hoje em dia. Bem antigamente quando um jovem via o tornozelo de uma mulher era a coisa mais extraordinária. No tempo da minha avó era assim.

Minha avó contava que tudo era muito sério. Ainda mais no sítio, as moças viviam sempre uma vida de recato. Era trabalhar na roça, passear era ir à missa com os pais e depois na quermesse com alguém do lado, a tal vela .Ali os olhares dos jovens se encontravam e os futuros casais se conheciam. Haviam os bailes também mas isso foi um tempo mais adiante em meados do século 20.

Muito antes, no final dos anos 1500, Shakespeare escreveu o Romance Romeu e Julieta, uma história em que duas famílias eram inimigas e os seus filhos se apaixonaram mesmo assim. No fim o amor vence mas a morte colocou um ponto final no romance. Uma tragédia renascentista que tinha como pano de fundo todo um contexto histórico e uma crítica social como só Shakespeare sabia fazer com muita habilidade.

Embora a morte tivesse feito cair o pano em um dos atos, as famílias se reconciliaram no final. No fundo o amor prevaleceu de algum modo. Com certeza uma das mais famosas histórias de amor já escritas na literatura mundial. Desculpe o spoiler para quem não leu, mas com certeza, de algum modo, todo mundo já ouviu a história.

O amor foi motivo e ainda é o mais puro sentimento que já existiu.Os gregos dividiram o amor como os cientistas fazem com um objeto em um laboratório. Eros, filia e ágape. A grosso modo, eros, o amor sexual; filia, o amor relativo à amizade; e ágape, o amor espiritual.

Mas há mais. Dividir para racionalizar é parte do ser humano e entender algo que só se sente é dizer o inefável. Mas valeu a tentativa. Os gregos tentaram e parece que não houve muito progresso além disso depois de tanto tempo.

Amar é entrar no mistério mais profundo do ser. Explicar o que uma pessoa sente pela outra é realmente impossível e talvez nessa impossibilidade é que resida a verdadeira essência do amor. Talvez uma explicação não seja possível, mas um exemplo, sim. Por isso as histórias de amor são sempre tão surpreendentes.

Há os amores que se reencontram.

Em 1974 minha família se mudou para a rua Maringá, em Londrina – quando a rua ainda era de terra pra frente da igreja nossa Senhora Auxiliadora - e ficamos vizinhos de uma família da qual nos tornamos muito amigos. Havia uma menina entre os dois irmãos e na época a gente não se ligava em nada. Eu tinha dez anos, ela sete.

Até estudamos no mesmo colégio, o Santa Maria, das Irmãs Xaverianas, perto de casa . Crescemos e depois já adolescente a pedi em namoro, mas levei um ”belo” fora dela. Coisas da vida. O coração dos dois não estava sintonizado ainda.

Seguimos cada qual nossas vidas e voltamos a cruzar nossos caminhos depois de uns anos, já adultos, trabalhando num grande shopping center. Ela trazia o lanche dela de casa, oferecia pra mim no intervalo do trabalho quando nos sentávamos na área externa e comtemplávamos, por uns minutos, aquelas agradáveis tardes.

Hoje lembro que comia o lanche dela e mal imaginava eu que era só por educação que ela oferecia! Devagar, um sentimento mais forte foi se fazendo maior e já não era mais só amizade. E eu com medo de dizer algo e levar mais um fora!

No final das contas namoramos, noivamos, casamos e veio um casal de filhos. E lá se vão vinte e seis anos de casamento (hoje continuo a comer o lanche que ela faz). O amor tem caminhos inusitados. Viver intensamente um amor é uma das experiências mais dignificantes de um ser humano, senão a maior.

Meu pai contava que um casal de nossos antepassados mais antigos viveu muitos anos um casamento muito abençoado e se dava muito bem. Em dado momento, ela faleceu. O velho foi no sepultamento com a família e voltou para casa em silêncio. Ficou sentado, pensativo por longo tempo na sua cadeira, na varanda. Foi passando o final do dia. Os filhos, ao verem que já baixava a tarde, chamaram seu pai e qual não foi a surpresa ao encontrá-lo morto! E disseram que havia morrido de amor.

O amor tem seus mistérios.

Dailton Martins, leitor da Folha de Londrina