A cultura do cancelamento é uma prática essencialmente das redes sociais que transpassa para o mundo real e se faz presente no cotidiano da sociedade, a maior prova disso foi a edição deste ano do Big Brother Brasil, que trouxe a tona discussões sobre o tema em decorrência dos participantes terem medo do julgamento e cancelamento pelo público por algo que fizessem ou falassem dentro da casa.

Esse termo surgiu do movimento #MeToo (#EuTambém em português), uma campanha online encabeçada pela atriz Alyssa Milano, que pediu para todas as mulheres que foram vítimas de crimes sexuais utilizarem a hashtag no Twitter. Com isso, a hashtag viralizou no mundo todo, inclusive em Hollywood, em que as mulheres compartilharam seus relatos e tornaram público os casos de abuso nesse meio, entre eles, o produtor Harvey Weinstein, que após as denúncias, foi condenado a 23 anos de prisão por abuso sexual e estupro. A proporção foi tão grande que em 2018 a expressão Me Too foi escolhida como a palavra do ano pelo dicionário Macquarie.

Imagem ilustrativa da imagem Um dia do cancelador, no outro é o cancelado

A cada nova denúncia nas redes, o acusado era boicotado, tanto no trabalho quanto na vida pessoal, trazendo o termo “cancelado” à tona. Com o passar do tempo, o cancelamento não era restrito somente aos casos de abuso, mas também, a qualquer um que tivesse um comportamento julgado incorreto ou repreensível. Diversas personalidades brasileiras já passaram pelo julgamento do público online, como foi o caso da cantora Karol Konká, que foi cancelada por seu comportamento no BBB 21 e, mais recentemente, do Dj Ivis, que agrediu sua esposa Pâmella Holanda. Porém, a cultura do cancelamento possui uma certa seletividade do público, a exemplo da Karol Konká, uma artista negra, que perdeu milhares de seguidores nas redes, recebeu ameaças nos comentários e perdeu contratos milionários, já o DJ Ivis, apesar de ter suas músicas removidas das plataformas digitais, ganhou seguidores logo que a notícia saiu.

A vigilância e a cultura do cancelamento

Apesar dos casos de cancelamentos serem mais comuns entre celebridades, por terem suas vidas expostas a milhares de pessoas, a cultura do cancelamento também se faz presente entre os próprios usuários das redes sociais, fazendo com que a internet se torne um meio de buscar justiça social através da vigilância. Por isso, é possível traçar um paralelo entre o “cancelamento” de hoje com o termo “panóptico”, utilizado em 1785, pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham. O “panóptico” de Bentham se refere a uma prisão idealista, em que uma única pessoa vigia todos os detentos sem que eles soubessem que estavam sendo vigiados. No tribunal virtual da internet, os usuários se transformam nesse “olho que tudo vê” e passam a julgar os outros de acordo com suas atitudes. Isso pode desencadear ou potencializar uma série de problemas, entre eles, a ansiedade.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo, atingindo quase 19 milhões de brasileiros. Diante de todas as causas sociais possíveis que justifiquem o porquê dos brasileiros estarem mais ansiosos, o meio digital está inserido nesse contexto. Segundo a psicóloga Graziela Camargo, “a cultura do cancelamento acaba gerando muita ansiedade nos jovens”. Para ela, a internet cria um paradoxo entre ser um meio acolhedor e, ao mesmo tempo, de muita exposição e julgamento, fato que contribui para deixar os jovens mais ansiosos e reprimidos. “Essa relação com o erro, que é humano, fica um tanto quanto delicada”, completa a psicóloga.

Apesar do lado negativo, a cultura do cancelamento também é importante para quebrar estigmas sociais. Atitudes controversas, que antes eram consideradas aceitáveis, já não possuem espaço para essa geração conectada.

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