SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Xi Jinping, ao começar sua escalada no governo regional de Zhejiang, duas décadas atrás, era um atuante colunista de jornal, descreve Richard McGregor, correspondente do Financial Times na China, em "Xi Jinping: The Backlash" (Penguin, 2019).

Ainda é, de certa forma. Publica regularmente na Qiushi, a revista teórica bimestral do PC Chinês. Em janeiro, escreveu o artigo "Trabalhando juntos para construir uma comunidade de destino compartilhado para a humanidade", de grande repercussão, com propostas para a ordem internacional.

Mas em 2013, logo após ele assumir como líder nacional, um episódio de censura no Nanfang Zhoumo, jornal de fim de semana ligado ao PC de Guangzhou, evidenciou que o jornalismo mais independente não teria vida fácil sob o colunista Xi. Ligado ao Nanfang Ribao, diário, o Nanfang Zhoumo é historicamente o mais contundente no país, com revelações sobre os vários níveis de governo.

"Em áreas conhecidas pela corrupção, as autoridades temiam a visita dos repórteres do Nanfang", afirma Katsuji Nakazawa, que foi correspondente do japonês Nikkei na China. "Com uma cobertura na linha de frente, ele ressoava com as pessoas em todo o país e voava das prateleiras nas bancas de Pequim."

Em 2013, os censores em Guangzhou mudaram um artigo, jornalistas reagiram na Sina Weibo e foram suspensos da plataforma, alguns entraram em greve -e houve protesto diante do prédio do jornal.

O episódio se esvaiu, mas deixou o chamado efeito de arrepio, em que os jornalistas passam a se policiar mais, o mesmo que se sente agora nas Redações de Hong Kong com o fechamento do Apple Daily.

Na síntese do jornalista americano Bill Bishop, que produz em Washington a newsletter Sinocism, que garimpa os principais veículos do país, em chinês, o Nanfang foi "neutralizado". O diário Xin Jing Bao, de Pequim, criado pela equipe do Nanfang, passou por processo semelhante.

A jornalista brasileira Talita Fernandes, há um ano na capital chinesa, de onde passou a editar a newsletter Shumian, confirma que o célebre jornal de Guangzhou "já foi bem mais independente".

Com pouco tempo no cargo, Xi pode não ter tido participação direta, mas três anos depois ele visitou as grandes Redações de órgãos ligados institucionalmente ao governo, como a rede CCTV, e ao partido, como o Diário do Povo, e deixou as coisas claras: "Os meios de comunicação dirigidos pelo partido e pelo governo" devem falar por eles, mais precisamente, por sua "autoridade e unidade".

Em quase uma década de Xi, o veículo de referência se tornou o Global Times ou Huanqiu, tabloide nacionalista com versões em inglês e chinês.

"Parte do Grupo Diário do Povo, ele é um um cata-vento útil para a direção que as políticas vão seguir", descreve Bishop, ressaltando o protagonismo de Hu Xijing, seu editor-chefe, atuante em plataformas como Sina Weibo e Twitter: "Hu se transformou numa celebridade, mais até na China do que fora".

No Ocidente, já foi perfilado por New York Times e outros, buscando entender como um manifestante da Praça da Paz Celestial em 1989 se tornou o jornalista mais ruidoso nas respostas aos governos Trump e agora Biden, inclusive conclamando a China a ampliar seu arsenal nuclear.

Ele não é a única celebridade do jornalismo chinês. Hu Shuli fundou, foi editora e agora é publisher da Caixin, de Pequim. Originalmente uma revista, virou uma operação de cobertura econômica que abrange sites em chinês e inglês e índices financeiros.

Também ela já foi perfilada por New Yorker e outros interessados no terror que espalha nas autoridades chinesas e na aparente amizade de juventude com Xi Jinping.

Em "The Party" (HarperCollins, 2010), livro de referência sobre o PC Chinês, Richard McGregor descreve um jantar de que participaram Hu e o presidente de um dos maiores bancos estatais chineses, membro do partido. Os anfitriões garantiram que a conversa seria sigilosa mas o executivo reagiu com ironia: "Estou preocupado é com a senhora-escândalo ali".

A Caixin, entre outros casos recentes, entrevistou o médico de Wuhan que tentou alertar para o coronavírus e foi ameaçado por um membro local do PC Chinês -e pouco depois morreria, de Covid-19.

Outros títulos chineses de grande repercussão, inclusive no exterior, chamam a atenção mais por seus donos, bilionários saídos da explosão do setor de tecnologia no país.

É o caso do Guancha em Xangai, de Eric X. Li, que Bishop descreve como "um 'venture capitalist' de sucesso que apresenta uma imagem cosmopolita e sofisticada para o mundo", mas produz um "veículo populista". Foi o Guancha que entrevistou Lula sobre o PC Chinês, há duas semanas.

Também é o caso do South China Morning Post em Hong Kong, comprado em 2015 por Jack Ma, do Alibaba. Para Bishop, "Ma provavelmente se arrependeu, parece trazer só dor de cabeça política".