2022 é o ano em que ocorrem a Copa do Mundo e as eleições para presidente no Brasil. Os dois eventos movimentam todo país e, nos últimos anos, compartilham o mesmo uniforme: a camiseta amarela da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Por mais que a identidade nacional seja atualizada com o passar do tempo, a adoção da ‘’canarinho’’ ou ‘’amarelinha’’ por determinados segmentos políticos levam seus críticos e opositores a buscarem outras representações que fogem do tradicional verde e amarelo.

.
. | Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

A "maldição" da camiseta branca

Para traçar o caminho da camiseta amarela no Brasil é necessário voltar para 1950. A Copa do Mundo daquele ano ocorreu em terras brasileiras e a final do campeonato recebeu o nome de Maracanaço. Na ocasião, o recém inaugurado Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, recebia as seleções do Brasil e do Uruguai: bastava um empate e o time brasileiro poderia sentir o gosto do primeiro título do mundial.

Ao longo do campeonato, o Brasil vencia outras seleções com vantagem e era considerado o time favorito. No último jogo, com estimativa do público totalizando cerca de 200 mil pessoas, o sonho de levantar a Jules Rimet (troféu da Copa do Mundo) foi interrompido. O placar marcava 1x1 até os últimos momentos da partida, mas restando apenas 11 minutos para o apito final, Alcides Edgardo Ghiggia marcou o segundo gol do Uruguai. A vitória uruguaia - de virada - traumatizou os torcedores do Brasil e, como a nossa seleção utilizou nesta partida um uniforme branco de golas azuis, surgiu a lenda da ‘’maldição da camisa branca’’.

Manchete do Jornal Correio da Manhã critica o uniforme branco utilizado até 1950 pela seleção brasileira
Manchete do Jornal Correio da Manhã critica o uniforme branco utilizado até 1950 pela seleção brasileira | Foto: (Acervo/Correio da Manhã/1953)

Três anos depois do Maracanaço, o jornal Correio da Manhã junto ao CBD (Confederação Brasileira de Desportes) lançou um concurso nacional para a criação do novo uniforme da seleção do Brasil, diferente do usado na fatídica derrota. A única regra para a produção era o equilíbrio de todas as cores presentes na bandeira nacional. O vencedor do concurso foi Aldyr Garcia Schlee, o inventor da famosa amarelinha. O uniforme com a camiseta amarela de punhos verdes e calção azul com listras brancas ganhou vida e permanece, até hoje, um símbolo do país e do nosso futebol. Essa história foi contada no podcast "O Sequestro da Amarelinha", da Revista Piauí.

Após o lançamento do uniforme, ficou estabelecido que o uso da camiseta branca era somente para casos de emergência. Ainda assim, na final da Copa seguinte em 1958, onde o Brasil não pôde usar amarelo em decorrência da utilização da cor pela anfitriã Suíça, a seleção preferiu entrar em campo com um uniforme improvisado azul em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do país. Naquele jogo, finalmente, o Brasil conquista seu primeiro título mundial.

Esboços feitos por Aldyr Garcia Schlee, o criador da amarelinha, dos uniformes da Seleção Brasileira
Esboços feitos por Aldyr Garcia Schlee, o criador da amarelinha, dos uniformes da Seleção Brasileira | Foto: Reprodução/Internet

Carlos Alberto Garcia (67), ex-jogador do Londrina Esporte Clube (LEC), do Corinthians e campeão mundial do Festival Internacional de Futebol Junior pela seleção brasileira em 1973, explica que seu pai o contava sobre a ‘’maldição’’ durante a infância. Entretanto, Garcia diz que a vivência de jogador não o permite acreditar na lenda, pois apesar de supersticioso, ‘’entre camisa branca e amarela, o que importa é o elenco, a formação e a seriedade!’’ afirma. Ainda assim, o ex-jogador relembra a sensação de ser campeão vestindo a imponente amarelinha e a emoção única da vitória: ‘’são coisas marcantes que ficam no coração, poucas pessoas conseguem ter esse sentimento’’, declara, ressaltando a representação simbólica do uniforme.

Tomando partido

A atribuição política ao uniforme amarelo acompanha a polarização que o país tem vivenciado com intensidade desde as manifestações de junho de 2013 e o que representava somente torcedores do time do Brasil, agora ganha outra conotação.

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista em Maio de 2019.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista em Maio de 2019. | Foto: Nelson Almeida/AFP

‘’Hoje vivemos em um mundo muito politizado onde exigem um posicionamento, uma escolha de lado! Colocar uma camiseta amarela hoje, para passear, que seja, já remete a um posicionamento’’ explica Higor Douglas Silva (23), dono de uma loja online de artigos esportivos em Londrina. Silva observa que, ao atender seus clientes, surgem comentários sobre ‘’não dar mais para usar a camiseta amarela’’, justamente pela atribuição implícita de apoiar determinada ideologia. A tentativa de desassociação é visível na planilha de vendas da loja, onde do total de camisetas do Brasil vendidas, 56,86% eram brancas. Mesmo com a histórica ‘’maldição’’, os clientes esgotaram as camisetas da loja.

Higor Douglas, dono de uma loja de artigos esportivos conta que mais da metade das vendas das camisas da seleção são as de cor branca
Higor Douglas, dono de uma loja de artigos esportivos conta que mais da metade das vendas das camisas da seleção são as de cor branca | Foto: Acervo Pessoal

Com o anúncio feito pelo presidente da CBF Rogério Caboclo sobre o uso do uniforme branco na estreia da Copa América desse ano, a tendência é que – independentemente da lenda - as vendas continuem crescendo e a cor continue marcando presença nos estádios.

Alternativas

Há, ainda, torcedores que fugiram totalmente do padrão e personalizaram o uniforme da seleção brasileira com a cor vermelha. Gabriela Fernandes (21), estudante de Jornalismo, fez essa escolha em 2018 e pretende estendê-la novamente nesse ano. A camiseta vermelha criada pela estudante tem as estrelas da seleção e a foice e o martelo, símbolo do comunismo. Fernandes conta que evita usar qualquer camiseta amarela mesmo gostando bastante da cor e lamenta o ‘’novo’’ uso das cores da bandeira, ‘’acho muito difícil voltar a gostar da bandeira algum dia’’, finaliza.

Gabriela Fernandes à esquerda e Laís Magalhães, vestiam camisetas personalizadas da Seleção Brasileira na copa de 2018 e pretendem utilizá-las novamente este ano
Gabriela Fernandes à esquerda e Laís Magalhães, vestiam camisetas personalizadas da Seleção Brasileira na copa de 2018 e pretendem utilizá-las novamente este ano | Foto: Acervo pessoal
Gabriela Fernandes à esquerda e Laís Magalhães, vestiam camisetas personalizadas da Seleção Brasileira na copa de 2018 e pretendem utilizá-las novamente este ano

Embora o vermelho não tenha ligação direta com o Brasil, em uma ocasião excepcional a seleção precisou jogar com esta cor. Segundo o Museu da CBF, isso ocorreu em 1917. Em razão dos times presentes no torneio sul-americano utilizarem uniformes brancos (Chile, Argentina e Brasil) foi necessária a realização de sorteio do uniforme vermelho, o único uniforme extra do campeonato.

É notório que os torcedores do ‘’país do futebol’’ manifestem suas demandas sociais através do esporte, visto que ele é ‘’o primeiro instrumento de comunicação verdadeiramente universal e moderno entre todos os segmentos da sociedade brasileira’’, conforme afirma o texto de autor desconhecido, estampado nas paredes do Museu do Futebol, no Estádio Municipal de São Paulo. ‘’Ele tem ensinado a agregar e desagregar o Brasil por meio de múltiplas escolhas e cidadanias’’, continua, deixando a reflexão para o ano de 2022: que entre os papéis transformadores do futebol e da política, prevaleçam sempre os valores da democracia.

LEIA TAMBÉM:

+ Londrina tem céu de aquarela e inspira ao pôr do sol

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.