Londrina tem céu de aquarela e inspira ao pôr do sol

Cinzas de vulcão viajam o mundo, colorem o crepúsculo e criam paisagens magníficas

Publicado quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022 | Autor: Marcos Martins - Especial para a FOLHA às 18:47 h

Céu de Londrina na tarde do primeiro dia de fevereiro de 2022. Vista da Gleba Palhano
Céu de Londrina na tarde do primeiro dia de fevereiro de 2022. Vista da Gleba Palhano | Foto: Tatiana Galindo/ @londrinaeseusceusmaravilhosos

O fim de tarde em Londrina e em centenas de cidades brasileiras vem ganhando espetáculos à parte nas últimas semanas. Com tons laranja, vermelho e rosa, o pôr do sol surpreende e encanta os observadores, alguns intrigados com a surpreendente beleza. “Geralmente essa é uma época com pôr do sol bonito, mas os últimos dias têm sido ainda mais belos e bem diferentes, algo que nunca vi”, admite a nutricionista Raquel Almeida.

A explicação – triste, infelizmente – está a 13 mil km de distância, na erupção do vulcão submarino Hunga Tonga-Hunga Ha'apai, localizado a 65 km ao norte da capital de Tonga, Nuku'alofa. O fenômeno ocorreu no último dia 15 e teve intensidade 500 vezes mais forte que a bomba atômica que atingiu Hiroshima, por exemplo. O impacto gerou um tsunami de grandes proporções, com ondas gigantescas, de até 15 metros, que destruíram povoados inteiros, causando cinco mortes. Um cabo óptico também foi rompido, cortando temporariamente as comunicações do país.

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Raquel Almeida - nutricionista

Os efeitos foram longe. Um tsunami chegou ao sul do Pacífico e inundações foram registradas também na cidade de Santa Cruz, na costa da Califórnia, nos Estados Unidos. No Japão, autoridades relataram uma onda de 1,2 metro na remota ilha de Amami. O magma quente entrou em contato direto com a água fria, criando explosões de velocidade supersônica, gerando estrondos ouvidos até no Alasca. Na sequência, as partículas expelidas pelo vulcão passaram a viajar pelo planeta, passando por países da África, Austrália e chegando ao Brasil. E são exatamente elas as responsáveis pelo colorido do céu.

Imagens feitas pelo satélite Himawari-8 do Japão e divulgadas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e Comunicações (Japão) em 15 de janeiro de 2022 mostra a erupção vulcânica que provocou um tsunami em Tonga. A erupção foi tão intensa que foi ouvida como "sons altos de trovão" em Fiji, a mais de 800 quilômetros (500 milhas) de distância.
Imagens feitas pelo satélite Himawari-8 do Japão e divulgadas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e Comunicações (Japão) em 15 de janeiro de 2022 mostra a erupção vulcânica que provocou um tsunami em Tonga. A erupção foi tão intensa que foi ouvida como "sons altos de trovão" em Fiji, a mais de 800 quilômetros (500 milhas) de distância. | Foto: Handout / National Institute of Information and Communications Technology / AFP

“O dióxido de enxofre expelido pelo vulcão reage na atmosfera e forma aerossóis de sulfato, ou seja, partículas finas que viajam grandes distâncias pelo planeta. Durante o nascer e o pôr do sol, os raios solares atingem as camadas atmosféricas superiores. Nelas, as ondas são divididas e refletidas, ao invés de serem absorvidas. Aí entram em cena aqueles aerossóis de sulfato, que criam mais obstáculos para a passagem da luz. Eles espalham os raios solares e formam essas cores mais intensas, que chamam a atenção”, explica o climatologista Fernando Garcia.

Aquarela em tons poéticos pintam o céu do centro de Londrina
Aquarela em tons poéticos pintam o céu do centro de Londrina | Foto: Walkiria Vieira - Grupo Folha

O fenômeno é parecido com algo visto há 139 anos, quando a erupção do vulcão Krakatoa, na Indonésia, lançou detritos a até 100 km de altura e chegou a alterar o clima do planeta. Além disso, tsunamis mataram milhares de pessoas e a pequena ilha, localizada no estreito de Sunda, entre as grandes ilhas de Sumatra e Java na Indonésia, foi praticamente destruída. A força da explosão liberou uma energia estimada em 200 megatons — mais de 10 mil vezes a força da bomba atômica de Hiroshima, gerando uma onda de pressão que deu a volta no planeta três vezes. Assim como o observado agora, com a erupção em Tonga, partículas viajaram pelo mundo e impactaram o céu a milhares de quilômetros de distância.

O pôr do sol vermelho encantou os moradores da zona Oeste
O pôr do sol vermelho encantou os moradores da zona Oeste | Foto: Gustavo Andrade

Como naquele tempo não havia nem smartphone, nem Instagram para registrar as imagens, coube aos artistas plásticos a tarefa e várias obras da época retrataram o fenômeno visto nos céus. Um deles foi o pintor britânico William Ascroft. Encantado com os tons de roxo, vermelho e laranja do pôr do sol, ele produziu, no inverno de 1883, à beira do Rio Tâmisa, centenas de aquarelas que parecem fotos, dando uma ideia do espetáculo.

Efeitos atmosféricos da erupção do Krakatoa - (1888)  William Ashcroft
Efeitos atmosféricos da erupção do Krakatoa - (1888) William Ashcroft | Foto: William Ashcroft (Domínio Público)

Outro ícone que pode ter tido suas cores inspiradas é o conjunto de telas “O Grito”, do norueguês Edvard Munch. Pintadas em 1893, ou seja, 10 anos após a erupção, as quatro obras trazem uma figura andrógina em um momento de angústia e desespero. O plano de fundo é a doca do fiorde de Oslo, capital da Noruega. Um grupo de pesquisadores, liderado pelo professor Donald Olson, físico e astrônomo da Texas State University, foi até o local, em 2003, para estudar o ângulo e a direção do olhar na pintura. “Verificamos que Munch olhava para o sudoeste, exatamente onde apareceram os crepúsculos do Krakatoa no inverno de 1883”, afirmou o professor em uma série de entrevistas, na época, quando um artigo científico que abordou o tema foi concluído.

'O Grito' - (1893) Obra de Edvard Munch que dizem ser inspirado no céu vermelho da erupção do Vulcão Krakatoa  que ocorreu em 1883.
'O Grito' - (1893) Obra de Edvard Munch que dizem ser inspirado no céu vermelho da erupção do Vulcão Krakatoa que ocorreu em 1883. | Foto: Edvard Munch (Domínio Público)

Dez anos mais tarde, outro artigo, desta vez apresentado por Helene Muri, pesquisadora da Universidade de Oslo, durante uma reunião da União Europeia de Geociências, em Viena, contestou a teoria de Olson. A explicação de Muri aponta como provável inspiração de Munch a aparição de nuvens estratosféricas polares, conhecidas como “nuvens de madrepérola”, pela maneira peculiar como refletem a luz. Típicas do inverno em regiões próximas dos pólos, elas são onduladas e coincidiriam com precisão com anotações encontradas no diário do pintor. “Crepúsculos com cor de fogo perduram por anos após a erupção. Já a visão de Munch, da forma como é descrita em seu diário, foi uma experiência única em sua vida”, defendeu a pesquisadora.

No diário, o pintor descreve a obra. “Eu estava caminhando pela estrada com dois amigos – o sol estava se pondo – de repente, o céu ficou vermelho-sangue – fiz uma pausa, me sentindo exausto, e me apoiei na cerca – havia sangue e línguas de fogo acima do fiorde azul-escuro e da cidade – meus amigos caminharam, e eu fiquei ali tremendo de ansiedade – e senti um grito infinito passando pela natureza”.

icon-aspas “Crepúsculos com cor de fogo perduram por anos após a erupção. Já a visão de Munch, da forma como é descrita em seu diário, foi uma experiência única em sua vida
Helene Muri - pesquisadora da Universidade de Oslo

Independente da verdadeira inspiração de Munch, o uso das cores e a ligação com erupções vulcânicas também são encontrados na obra de outros artistas, como William Turner, Rembrandt, Peter Paul Rubens, Edgar Degas e Thomas Gainsborough. “A sensibilidade de captar um momento marcante da sociedade e eternizá-lo em telas é fascinante, e um recurso bastante utilizado pelos artistas da época. Quando estudamos fenômenos de séculos passados e comparamos com o momento em que algumas obras foram produzidas, encontramos respostas e indicações de fatos que podem ter inspirado os trabalhos. Cada descoberta é rica e emocionante”, explica a professora de Artes Plásticas, Sueli Campos.

Por ora, não dá para saber se o céu visto em Londrina e em diversas cidades do mundo têm inspirado artistas. Mas, pelas fotos compartilhadas, a beleza não passará incólume. “Além de contemplar, tem que tirar uma foto, né? É algo muito bonito e, já que temos essa possibilidade de registrar, por que não?”, aponta a nutricionista Raquel Almeida. De acordo com o climatologista Fernando Garcia, as cores devem durar mais algumas semanas. “O tempo seco amplifica o fenômeno e, até que essa nuvem de partículas se dissipe totalmente, é possível que ainda vejamos esse espetáculo por mais alguns dias”, prevê.

Veja algumas imagens compartilhadas nas redes sociais do pôr do sol em Londrina desta semana: